Carlos

Carlos circulou a mesa de sinuca tamborilando os dedos sobre o pano verde e observando cuidadosamente as possibilidades para sua próxima jogada. Recurvou-se e aproximou o taco de uma delas. Com um leve toque empurrou a bola branca em direção ao alvo mais próximo. As bolas se tocaram, mas não da forma que ele planejava, e correram as duas para dentro da caçapa. Derrotado, Carlos largou o taco no chão e se afastou da mesa resmungando.

Do outro lado do bar, Luzia caminhava em sua direção. Seus seios enormes pareciam querer saltar de sua blusa, mas algo magicamente os retia, a cada passo. Ela parou em frente a Carlos e riu.

- Perdeu de novo?

- Perdi. Qual a graça?

- É engraçado te ver irritado, ainda mais quando é por uma coisa tão besta.

- As vezes eu me pergunto por que ando com você.

- Eu também me pergunto isso sempre, meu amor.

Luzia beijou Carlos no rosto e puxou um cigarro de dentro do bolso de sua camisa. Carlos sempre mantinha alguns ali. Apesar de fumar muito pouco.

Ela caminhou para fora do bar e pôs-se a fumar, observando o movimento da rua.

Carlos parou ao seu lado, carregando consigo uma garrafa de cerveja. A rua estava agitada. Sexta a feira a noite era sempre assim.

- Vou para casa. – Disse Carlos

- Cedo assim?

- Preciso trabalhar.

- Isso soa estranho vindo de você.

- Minha cerveja não se paga sozinha. Muito menos o aluguel.

- Me dá mais um cigarro – Disse Luzia, já colocando a mão no bolso do amigo.

- Pode levar todos.

Luzia sorriu e pegou os três cigarros que estavam lá. Eram da marca mais barata possível, mas ela não se importava.

Carlos se levantou, foi até o balcão, pagou a conta e ganhou a rua.

No meio do caminho, olhou seu relógio e viu que ainda não tinha nem dado 20h. A noite estava só começando. Com alguma sorte ele ligaria o computador e encontraria alguma mensagem na sua caixa de entrada. Em sua linha de trabalho, serviços apareciam quando ele menos esperava.

Carlos parou na entrada de seu prédio e o porteiro logo o deixou entrar. Os dois conversaram um pouco sobre futebol e sobre o aumento da criminalidade na região. O porteiro, chamado Manoel, falava entusiasticamente sobre a necessidade de todo homem poder ter sua própria arma de fogo. Carlos pensava de forma diferente. Do lado de fora, o mundo era a barbárie. Imaginava o resultado, se todos pudessem carregar armas por ai.

Como odiava antagonizar as pessoas, Carlos manteve-se calado, se resumindo a concordar com a cabeça.

Despediu-se do porteiro e tomou o elevador até o décimo terceiro andar, onde ficava o seu apartamento.

O corredor estava vazio e escuro, com as lâmpadas queimadas, que o síndico se recusava a trocar.

Carlos usou o celular para iluminar o caminho e procurou as chaves em seu bolso. Depois de abrir os dois cadeados que travavam a grade, entrou e sentou-se no sofá.

Ligou o computador que repousava ao seu lado e esperou pelo melhor.

Enquanto a máquina ligava, ele tomou a liberdade de se despir até ficar apenas de cuecas e de encher um copo até a metade com conhaque.

Aquela bebida o fazia pensar melhor. Um costume que havia herdado de seu pai.

O velho era um alcoólatra. Mas diferente do que era comum entre eles, não era violento. Tinha uma tendência à melancolia e contemplação.

Sempre que encarava algum revés, o seu pai bebia até perder os sentidos, tocando violão e cantando embaixo do jambeiro que havia em seu quintal. A bebida era sempre o conhaque. As músicas, quase sempre as mesmas. Carlos quase pode ouvi-lo, quando tomou o primeiro gole.

O barulho do computador ligando lhe arrancou de seus pensamentos e ele parou para encarar a tela brilhando na sala escura.

Com rápidos cliques, Carlos acessou a caixa de entrada do seu email e viu uma dezena de novas mensagens. A maior parte era pura e simplesmente SPAM... inutilidades.

Mas entre elas, estava uma mensagem de Décio, um de seus colaboradores.

Ele era sucinto, como sempre.

A mensagem dizia apenas

- Preciso falar com você. Venha até minha casa.

Décio era um cara anacrônico. Cheio de preocupações com segurança... extremamente cuidadoso.

Raramente ficava com um número telefone por muito tempo. Mantinha contato com Carlos basicamente por Emails enviados pela Deep Web.

Carlos, por sua vez, odiava esse tipo de plataforma, mas era uma necessidade para a sua profissão.

Rapidamente ele fechou o computador, bebeu o conhaque de um gole só e foi ao banheiro. Tomou um rápido banho e vestiu-se.

Enquanto afivelava o cinto, lembrou-se das palavras do porteiro sobre a violência e as armas de fogo... Estava prestes a voltar à barbárie...

Depois de pronto, abriu a gaveta de seu criado mudo e retirou uma pistola preta de dentro. Não era uma arma pequena, não era fácil de esconder, mas era a que mais lhe agradava. Tinha a recebido de Décio depois de seu primeiro serviço. Deste então, nunca a largara.

Guardou a arma na cintura, debaixo do casaco e saiu. Tomou novamente o elevador e quando chegou ao térreo percebeu que chovia bastante. Pelo telefone, pediu um táxi que logo chegou e levou ao endereço indicado, bem no centro da cidade.

O endereço era um casarão bastante depredado num bairro antigo, cheio de prostitutas, bêbados e bandidos. Na verdade, Décio não morava ali. Aquele era apenas o local que ele recebia seus colaboradores para passá-los seus serviços.

Carlos pagou ao taxista e seguiu debaixo de chuva, até portão da casa. Décio logo apareceu, embaixo de um grande guarda chuva preto. Ele parecia uma assombração. Era alto, com mais de 1.90, pálido e com grandes olheiras debaixo dos olhos. Ao seu lado, Carlos se sentia incomodado e pequeno...

Os dois caminharam até o interior da casa e Décio largou o guarda chuva no chão. Carlos o observava parado no meio da sala, tentando ainda entender o motivo do chamado.

Décio indicou uma poltrona para que Carlos se sentasse e logo se acomodou num sofá, de modo que os dois ficaram frente a frente.

- Bem Décio. Estou aqui. Por que você me chamou.

- Tenho um serviço para você.

- Isso eu já imaginava. Mas que tipo de serviço.

- Um dos limpos.

- Como assim?

- Dessa vez você não vai precisar da sua arma.

- Preferia que não.

Décio tirou um envelope debaixo de dentro de seu terno e ofereceu para Carlos.

- Ai dentro tem tudo o que você precisa saber sobre o negócio.

- Mas o que é exatamente?

- Um vereador se meteu numa confusão. Você vai tirar ele dessa.

Carlos abriu o envelope e viu a foto do vereador lá dentro.

- Eu votei nesse cara. O que ele fez?

- Tá metido com desvio de verba. Um antigo assessor dele tem as provas e está chantageando ele.

Carlos coçou a barba e falou

- Pensei que você tinha dito que ia ser um serviço limpo.

- E é. Você não vai precisar matar o assessor. Só pegar as provas dele... sem muito alarde, de preferência.

- Vou me inteirar dos detalhes. De quanto é o cachê? – Carlos disse abrindo o envelope e vendo o conteúdo.

- Trinta mil. No caso, 24, já tirando meus 20%.

- É um bom dinheiro. Não sou de reclamar, mas preciso ver se isso é factível antes de aceitar.

- Carlos... tem pelo menos outros três agentes a quem eu poderia indicar esse trabalho. Te passei por que você está sem receber nada há algum tempo.

- Fico grato, Décio. Só não quero que acabe feito da outra vez.

- Não vai acabar. O seu alvo é um idiota. Se fosse eu o implicado, mandava botar uma bala no meio da testa dele, mas o vereador é do tipo humanitário. Só quer o serviço se for sem sangue.

- Me sinto melhor por saber disso. Votei num corrupto, mas pelo menos um corrupto com apreço pela vida.

- Bem. Vai aceitar ou não?

Carlos novamente levou as mãos à barba.

Tinha o costume de escarafunchar nos pelos do rosto toda vez que se sentia confuso, ou quando precisava tomar uma decisão rápida... era como se pudesse encontrar algum tipo de sabedoria no ato.

- Tá certo, Décio. Pode contar comigo.

- Toma aqui. Cinco mil, de adiantamento. O resto você recebe no final do serviço. Você tem um mês pra resolver a coisa. – Disse entregando-lhe um cheque ao portador.

- Ok. – Carlos respondeu laconicamente, já pensando em como iria fazer para completar a tarefa.

Décio se levantou e Carlos o seguiu até a porta.

- Quando tiver resolvido tudo me avise. Não me procure até lá.

- Tudo bem. – Respondeu Carlos, tomando o caminho da rua.

Nesse momento já parara de chover.

Não havia nenhum taxi por perto. Ele teria que se arriscar por algumas ruas, a pé.

Foi bom ter trazido a pistola, pensou.

2

No dia seguinte, Carlos acordou cedo e leu todas as informações contidas no envelope entregue por Décio. Não havia muita coisa útil. Provavelmente o vereador queria que ele soubesse o mínimo sobre o caso. Só queria a situação resolvida. Só que o que essa gente não sabe é que informações são importantes para um serviço bem feito. Mas agora que ele já tinha aceitado o serviço, tinha que fazer o melhor com o que estava em suas mãos. A pica sempre fica pra quem tá mais desesperado.

Depois de ler e anotar todos os detalhes que conseguiu extrair dos papéis dentro do envelope, Carlos fez uma busca rápida na internet sobre o seu alvo.

Se chamava Henrique Costa. Tinha 35 anos e pela última década havia trabalhado como assessor para o seu contratante.

Vivia de cargos comissionados e foi exonerado há seis meses.

Esse tipo de gente geralmente guarda rancor... principalmente os que se sentem pouco apreciados.

Não havia nenhum registro criminal e nada de grande a se encontrar na internet numa busca simples no Google.

Carlos então procurou em diversas redes sociais por algo que pudesse facilitar seu serviço. Havia uma conta no facebook e outra no instagram. Pelo que dava para ver, Henrique era um cara bastante social. Gostava da vida noturna. Gostava de boates. Isso já era um bom começo.

No meio de sua busca, o interfone tocou.

Carlos deixou o computador e foi atender. Era Luzia.

Em poucos instantes a campainha da porta do apartamento tocou e Carlos abriu.

Luzia tinha virado a noite na rua. Ainda estava com a roupa da noite anterior, com a maquiagem visivelmente borrada e cheirava a bebida.

- Posso dormir aqui hoje? – Perguntou.

- Pode. Vai no quarto de hóspedes. Tem um colchão lá e uma toalha se quiser tomar banho... Se precisar posso te emprestar uma camisa.

- Não precisa. Eu gosto de dormir nua.

- Ok.

- Vou deixar a porta aberta, caso você queira me fazer companhia.

- Acho que tínhamos entrado em consenso que seria melhor evitar isso.

- As vezes fico em dúvida se você é homem de verdade, ou se só é covarde.

- Devo ser covarde.

Luzia soltou uma gargalhada e cambaleou até o quarto de hóspedes resmungando.

Ela era bonita, mas não tinha muito estilo, ou que se considera como feminilidade. Era frequentemente rude e falava o que vinha a cabeça. Era madura para os seus vinte e poucos anos, mas Carlos preferia evitar qualquer tipo de relação que fugisse à amizade com ela. Muita coisa mudava quando duas pessoas faziam sexo. Isso ele tinha aprendido à duras penas com o tempo.

Carlos voltou ao computador e pode ver Luzia sair do quarto de hóspedes, completamente nua, em direção ao banheiro.

Ela fazia de propósito, ele sabia. Mas Carlos fingia que não via, o que frequentemente a irritava.

Carlos tentou se concentrar no trabalho e voltou à página do facebook de Henrique. Ele confirmara presença num evento público de uma casa de shows conhecida por ser frequentada por strippers. Isso ajudava muito. Luzia trabalhou como stripper por um ano e meio. Conhecia bastante gente no meio.

Carlos só precisava esperar ela ficar sóbria o suficiente para que pudesse lhe ajudar. Pelo que conhecia dela, só iria ser no fim da tarde, isso se não estivesse de ressaca.

Luzia saiu do banheiro, dessa vez envolta numa toalha de banho.

Passou pela sala assoviando alguma música que Carlos não conseguia reconhecer. Pensou em entrar no quarto com ela e no meio desse pensamento, percebeu que tinha uma ereção lhe apertando a calça. Por mais controlado que seja um homem, não há como deter os próprios desejos. Não há intelectualidade que domine os instintos mais básicos. Comer, beber, trepar. O cara pode se privar dessas coisas, mas a necessidade vai ainda estar lá, lhe cutucando o juízo. No momento tinha bastante coisa lhe cutucando...

Luzia era uma mulher que lhe desejava e estava nua no quarto ao lado... para piorar, Carlos não transava há pelo menos três meses. Aquela situação era um barril de pólvora esperando apenas uma fagulha.

Carlos sabia que tinha que fazer algo a respeito.

Então, desligou o computador e tomou o caminho da rua.

3

Carlos entrou numa lanchonete e se sentou junto ao balcão.

A única garçonete do local se chamava Camila. Trabalhava todos os dias, numa rotina que parecia ser infernal.

Fazia sucos, café, sanduíches e servia os clientes. A noite, ainda varria e fechava a lanchonete. Tudo isso por pouco mais do que um salário mínimo. Carlos achava aquilo tudo uma indignidade, mas Camila sequer percebia o peso de sua própria realidade. Era como se usasse algemas invisíveis. Sentia-se agradecida pelo emprego, fingia não perceber os assédios do patrão e de alguns dos clientes, e fazia o seu serviço sem muitas reclamações.

Carlos costumava almoçar naquele lugar pelo menos três vezes na semana. Gostava de observar Camila trabalhando, gostava das poucas palavras que conseguiam trocar nesses dias. Gostava sobretudo dos seus sorrisos tímidos.

Mas nesse dia, Camila não sorriu. Tinha uma mancha arroxeada em seu rosto, e seus olhos denunciavam que ela havia chorado bastante.

- Bom dia, Carlos, o que vai querer hoje? – Ela perguntou, sem disfarçar a tristeza.

- O que aconteceu, Camila?

- Nada.

- O que aconteceu com seu rosto...

- Não foi nada... O que você vai querer?

- Eu quero que você fale comigo e me diga o que aconteceu...

- Olha, Carlos. Isso é problema meu. Só quero trabalhar.

- Camila, alguém te machucou, não foi? – Disse Carlos, já ficando de pé.

Nesse momento o patrão dela se aproximou e falou

- Hey, Cara. Deixa ela trabalhar, não se mete onde não foi chamado.

Ele não era muita coisa. Devia ter uns 50 anos, era careca, faltavam-lhe alguns dentes e tinha a barriga protuberante.

Camila não conseguiu disfarçar o susto e se encolheu quando o patrão falou.

Para Carlos, ficou claro o que tinha acontecido.

Os dois se encararam e Carlos esmurrou o balcão.

- Seu filho da puta.

O patrão de Camila saiu detrás do balcão e ficou frente a frente com Carlos.

- O que você disse?

Camila, desesperada tentou intervir, mas sua voz quase não foi ouvida...

- Carlos, por favor, vai embora. Está tudo certo.

- Já já vai ficar tudo certo, Camila. – Disse Carlos, andando até ficar a poucos centímetros de distância do patrão.

- Vá embora, cara, se não quiser problemas, ou eu vou...- O patrão de Camila começou a falar, mas foi interrompido quando Carlos enfiou-lhe o punho no meio de sua barriga.

Ele engasgou e contorceu antes de cair no chão.

Carlos, que não se considerava um cara violento, circulou o seu corpo caído e o olhou fixamente, como se pensasse num castigo apropriado.

Quando o homem no chão já ia se recuperando, Carlos pisou fortemente em sua mão direita, de forma que foi possível se ouvir o estalo dos dedos quebrando.

O cara urrou de dor e começou a chorar. Carlos se ajoelhou ao seu lado e falou calmamente.

- Olha, seu babaca. Se eu souber que você mexeu com ela de novo eu vou te bater até você cuspir osso. E nem pensa em ir na polícia, porque eu tenho muitos amigos por lá... Já você é só um pedaço de merda que gosta de bater em mulheres.

Carlos então se levantou e deu de cara com Camila chorando, sentada numa cadeira.

- Tá tudo resolvido, Camila. Não precisa chorar. Ele não vai mais mexer com você.

- Resolvido? Eu vou ser demitida.

- Talvez seja melhor. Você merece um trabalho melhor do que esse.

- Não vai ser melhor! Eu preciso do dinheiro. Tenho que sustentar uma casa e tenho as despesas da minha filha.

- Eu só quis ajudar... – Carlos falou gaguejando

- Mas não ajudou! Vá embora antes que você piore tudo.

- Camila, você não pode se submeter a uma coisa dessas.

- Quem é você pra dizer o que eu posso ou não posso fazer?

Carlos ficou olhando Camila chorar ainda por um tempo, mas por fim saiu da lanchonete com um ar derrotado.

Estava apaixonado e mais uma vez tinha feito merda por causa disso.

Resignado, alcançou um cigarro no bolso da camisa e o acendeu enquanto caminhava para longe daquele lugar.

4

A tarde se passou e Carlos esperava que Luzia acordasse deitado numa rede na varanda do seu apartamento.

A chuva caia pesada do lado de fora e Carlos observava as pessoas andando pelas ruas, sob guarda chuvas multicoloridos, como se fizessem parte de uma floresta de cogumelos alucinógenos.

Isso fez Carlos pensar que talvez precisasse de um, como nos tempos de faculdade.

O tempo ia se arrastando, mas Camila não saia de sua cabeça. Como seriam as coisas para ela daí em diante? Ele realmente tinha piorado tudo. Teria que fazer algo a respeito, mas antes precisava resolver o caso do vereador e receber o resto do dinheiro.

Luzia acordou e veio até a varanda, já vestida sentou-se junto a parede.

- Tá chovendo desde que horas? – Disse, com a voz de quem acabara de acordar.

- Desde o meio dia.

- Minha rua vai estar alagada.

- Você pode ficar por aqui até passar.

- Obrigado, Carlos. De que horas eu cheguei? Não lembro de muita coisa.

- Umas cinco da manhã.

- Porra. Eu tenho que parar de beber.

- Você diz isso toda semana, uma hora vai ter que parar mesmo.

Luzia riu e se esticou contra a parede, se espreguiçando.

- Estou morrendo de fome. Tem algo pra comer?

- Só se você fizer. Não fiz nada hoje.

- Você está com um humor péssimo.

- Meu dia não está sendo muito bom, Luzia. Mas você pode melhorar ele um pouco.

- O que eu posso fazer por você então?

- Estou na cola de um cara que frequenta uma boate de strippers. Preciso de alguns contatos, ou que você me bote pra dentro.

- Qual é a boate?

- Golden Diamond, acho. Vai ter um evento lá hoje.

- Eu sei do que se trata. Posso te ajudar sim. – Luzia disse sorrindo enquanto se levantava.

Carlos se sentou na rede e observou a amiga andando até a sala. Ela pegou o celular e fez uma ligação.

- Oi Armando. É Luzia.

Carlos pode ouvir a voz do interlocutor, mas não conseguiu identificar o que ele dizia.

- Tem como você me arranjar duas entradas pra a festa no Golden hoje?... mhmmm... Camarote Vip?... Ótimo... Não, não, não quero voltar a dançar, só vou levar um amigo... Sim, amigo mesmo, não estou trepando com ele... Você é um doce. Beijo.

Luzia desligou o celular e falou.

- Consegui duas entradas pro camarote Vip... de graça. Mas talvez eu tenha que dar uns beijos no Armando, meu ex chefe. Ele é meio ciumento e possessivo com as meninas. Não se assuste.

- Só podia ser em Recife mesmo... Um cafetão ciumento.

- Ele não é cafetão. E eu não sou puta.

- Você entendeu.

- Entendi... bem... a festa começa as 22h. Preciso ir pra casa me arrumar.

- Eu levo você. Meu carro já voltou da revisão.

- Obrigado. Agora vou fazer algo pra a gente comer.

Dizendo isso, Luzia saiu e deixou Carlos sozinho na sala.

Ele acendeu um cigarro e ficou observando o mofo que se formava no canto das paredes devido a umidade que vinha da varanda.

Aquele ia ser um inverno chuvoso e abafado.

Em Recife, nunca fazia frio.

5

Os dois chegaram ao Golden Diamond as 22:30.

Tudo em Recife começava atrasado, e a casa nem tinha aberto as portas ainda.

A boate ficava em um casarão estilo sobrado, com pelo menos um século e meio. Foi completamente reformado e modernizado, mas só por dentro. Por fora ainda parecia uma casa do tempo do império. Tinha uma indicação bem sóbria na porta de madeira com o nome Golden Diamond em letras de bronze polido.

Luzia tocou a campainha e um homem negro de quase dois metros atendeu. Ele estava vestido de terno e gravata e com uma cara de poucos amigos. Só que ao ver Luzia, o rosto sério se desmanchou e Carlos pode até ver um sorriso.

- Oi, Pedro. Posso entrar?

- Você sempre pode entrar, Lu. A casa é sua – Disse o segurança engravatado.

- Esse aqui é Carlos, um amigo. Trouxe para conhecer a casa.

- Ele não é daqueles tipos que dá problema, não é?

- Não. É do tipo bom moço. – Luzia disse, agarrando um braço de Carlos. – Vamos entrar agora.

O segurança deixou os dois passarem e fechou a porta atrás de si.

Luzia parecia conhecer muito bem o ambiente e levou Carlos direto para o bar. Lá havia duas garotas se preparando para servir durante a noite.

- Me serve uma vodka com água com gás, e traz um conhaque para ele. – Falou para uma das garçonetes.

A mocinha trouxe as duas bebidas e beijou o rosto de Luzia dos dois lados.

- É bom ter você por aqui, Lu. Armando vai gostar de te ver.

- Também é bom te ver, Kelly. – Suas mãos se tocaram carinhosamente no balcão enquanto se cumprimentavam.

Carlos não falou nada, só observou a intimidade das duas. Parecia ter alguma coisa escondida ali, mas achou melhor não mencionar.

A noite foi passando e a casa abriu. Uma hora depois, já estava quase completamente cheia.

Armando encontrou Luzia e Carlos sentados no bar e se aproximou.

- Quase não reconheci você Luzia. Faz tempo que você não vinha por aqui. Disse com uma voz séria.

Luzia se levantou e os dois se abraçaram.

- Não seja palhaço. Não faz nem seis meses.

Armando riu, e olhou para Carlos.

- Esse é o amigo que você mencionou? – Disse estendendo a mão.

Luzia acenou com a cabeça afirmativamente.

- Olá, Armando. Meu nome é Carlos Almeida. É um prazer conhecê-lo. – Disse Carlos, apertando a mão estendida por Armando.

- Igualmente, Rapaz. – O cinismo era claro na voz de Armando. A presença de Carlos parecia lhe incomodar. – Vamos. Vou levar vocês dois ao camarote.

Os três seguiram até uma escada que levava à parte superior da boate. Havia vários pequenos camarotes e Armado os instalou num que ficava perto de um balcão que servia de bar. Carlos achou o lugar interessante e confortável. De lá, podia se ver tudo que ficava embaixo e ficaria mais fácil localizar o seu alvo assim que ele chegasse.

Uma garçonete chegou e trouxe um balde com gelo e várias cervejas. Luzia e Armando logo saíram e Carlos ficou lá, bebendo sozinho à espera.

Não demorou muito para que Henrique chegasse. Sentou-se sozinho num dos camarotes e logo foi servido por uma das garçonetes. Ele ficou olhando a garota, comendo-a com os olhos, mas não disse nada. Abriu uma cerveja começou a mexer no celular.

As strippers só chegavam depois da meia noite pelo que Luzia havia dito. Ainda só tinha que esperar que sua amiga conseguisse botar seu plano em prática e que ela escolhesse a garota certa para o serviço.

Carlos tomou mais duas cervejas antes que seu telefone tocasse.

Era uma mensagem de Luzia.

“Está tudo certo, uma garota chamada Charlotte vai botar o comprimido que você me deu na bebida dele, depois disso é com você”.

Logo depois, uma garota chegou no camarote de Henrique e sentou-se em seu colo. Aparentemente se agradou do que viu, e ela começou a fazer um pequeno show só para ele.

Ela era muito boa. Muito mesmo... talvez voltasse à casa depois quando estivesse fora de serviço. – Carlos pensou.

À distância ele pôde ver a garota despejar algo no copo de Henrique, enquanto fazia o seu lap dance. Depois que ele bebesse, seria questão de uma hora para que o efeito fosse completo.

Charlotte terminou o showzinho e Henrique bebeu de um gole só a bebida “batizada”. Ela se reteve no camarote e quebrou o protocolo, ao sentar no seu colo e beijá-lo intensamente.

Luzia havia feito um acordo com a garota. Aquela performance ia sair cara. Dois mil e quinhentos reais pagos de uma só vez. Mas se funcionasse, iria valer a pena.

Os dois continuaram ‘se pegando’ no camarote até que a garota levantou e puxou Henrique pela mão. Os dois logo saíram da casa e Carlos os seguiu de perto.

Henrique abriu o carro e os dois entraram. Carlos pode ver o carro balançando com os movimentos dos dois, até que subitamente tudo parou. Charlotte saiu pela porta do passageiro e fez sinal para que Carlos se aproximasse.

Carlos chegou e ela disse.

- Ele é todo seu, meu bem. Passei minha conta para Luzia. Transfira o dinheiro logo. Estou precisando.

- Obrigado. Farei assim que terminar o serviço hoje. Pode ficar tranquila.

- Assim espero. Não quero encrenca.

- Não vai ter. Sou profissional.

Charlotte voltou para o interior da boate e Carlos pode ver Henrique deitado no banco traseiro. Completamente apagado.

A droga que ele havia utilizado era bastante forte. Botava qualquer um para dormir, e ainda borrava a memória da pessoa sobre os acontecimentos. Depois de um tempo, poderia até extrair algumas informações de Henrique quando ele fosse recobrando a consciência, mas ele não se lembraria de nada.

Carlos entrou no carro de Henrique e partiu para o endereço que havia recebido de Décio.

As provas contra o vereador deviam estar lá.

De uma forma ou de outra, ele iria dar um jeito de recuperá-las...

Ia ser uma noite de trabalho duro.

6

Henrique morava num pequeno conjunto de apartamentos num bairro de classe média baixa. Não havia porteiro, o que facilitava muito as coisas. Carlos pegou as chaves em seu bolso e o carregou para dentro. Henrique estava semiconsciente e cambaleava ao lado de Carlos, como se estivesse apenas embriagado.

Ele indicou as chaves que abriam a residência e assim os dois chegaram a sala do seu apartamento.

Carlos o sentou num sofá na sala e verificou a casa, para ter certeza que não havia ninguém dentro. Depois de se certificar que estavam sozinhos, Carlos trancou as portas e sentou-se de frente para Henrique.

- Henrique meu velho, você bebeu demais hoje.

Ele parecia confuso e tinha os olhos perdidos no chão. Carlos balançou sua cabeça tentando ganhar sua atenção.

- O que foi que eu bebi? – Respondeu Henrique.

- Bebeu muito uísque. Muito.

- Eu estava... Eu estava precisando.

- Dá pra perceber. Como se sente?

- Estou enjoado.

- Eu sei. Eu sei. Mas preciso que você preste muita atenção. Preciso de sua ajuda.

- Quem é você?

- Sou o seu melhor amigo.

- Daniel? É você? – Ele perguntou confuso.

- Sim Sim. Sou o Daniel – Respondeu Carlos.

- Mas você não estava em Brasília?

- Voltei ontem. Porque preciso de sua ajuda.

- Do que você precisa?

- Preciso dos documentos que você tem sobre o vereador Ulisses Câmara.

- Eu guardei eles, Daniel. Te falei.

- Mas preciso deles. O vereador vai pagar o que você pediu.

- Certeza?

- Absoluta.

- Guardei embaixo do armário da cozinha.

- E tem alguma cópia?

- Claro. Te mandei pelo Google drive, não lembra?

Henrique foi perdendo a consciência e finalmente apagou.

Carlos aproveitou para remexer no armário da cozinha e encontrou uma caixa de madeira com um pequeno cadeado.

Com as ferramentas que trazia sempre em seu bolso, Carlos abriu o cadeado e inspecionou os documentos no interior.

Parecia ser exatamente o que estava procurando. Então, esvaziou a caixa e fechou-a novamente com o cadeado.

Até agora tinha sido fácil. O resto parecia mais complicado.

Foi até o computador que estava no quarto de Henrique e o ligou.

Não havia senha. Ele era realmente idiota.

Abriu o navegador e para sua sorte, viu que as contas do Google ainda estavam logadas. Assim pode rapidamente acessar o arquivo do Google Drive onde existia uma pasta compartilhada com uma pessoa com o nome de Daniel. Provavelmente o melhor amigo que Henrique havia mencionado.

Carlos então apagou o arquivo e pegou o notebook para si.

Precisava garantir que não havia outras cópias no aparelho ou em qualquer outro lugar. Isso ele faria em casa.

Voltou à sala e deu de cara com Henrique caído no chão.

Provavelmente tinha tentado se levantar e escorregara.

Carlos o arrastou até o quarto e o deixou deitado de barriga para baixo, para evitar que engasgasse no próprio vômito.

Estava tudo certo. Mais um serviço limpo. Dava quase orgulho de trabalhar nesse ramo, pensou.

Carlos juntou os documentos e o notebook e saiu do apartamento. Deixou a porta aberta, abriu a grade do portão, retornou e jogou a chave no meio da sala. Saiu silenciosamente do conjunto e seguiu pela rua. Em uma esquina, esperou um táxi e voltou para casa.

Ao abrir a porta de seu apartamento seus pensamentos correram para Camila...

Se perguntava como ela estaria naquele momento.

(continua)

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 19/12/2016
Reeditado em 20/12/2016
Código do texto: T5857967
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