Hoje é dia de revirar os ossos
"Hoje é dia de revirar os ossos". Acordou falando essa frase sem saber por quê. E mesmo depois de passadas algumas horas, ainda continuava a repeti-la. E foi assim durante todo o dia até à noite.
Não era gente de muita conversa, não. Era até visto com certa desconfiança por tamanha quietude. Ficava horas sem pronunciar uma palavra que fosse; mesmo entre amigos, o silêncio era parte de seu ser.
Naquele dia, porém, acordou pronunciando a insistente frase. Só passou a ficar preocupado quando repetiu, perto de amigos, em voz alta durante o almoço. Os olhares de estranhamento foram notados.
A caminho de casa, ao final do expediente, não fez sua costumeira parada no bar do Joca. Não bebeu seu habitual conhaque com limão, nem degustou o saboroso misto-quente de todos os dias.
O livro, recém aberto, ainda continuava nas primeiras páginas quando o som da companhia o despertou do leve sono à cadeira de balanço.
Ao pé da porta, antes de abri-la, percebe um envelope ser empurrado por debaixo. Retem-se por um instante até que a sombra ao pé da porta se vai.
De volta à cadeira de balanço, não toca no livro. Abre o envelope e sem pronunciar palavra, se dirige até o quarto. De posse de uma caixa tirada da gaveta, se emociona com lembranças de amigos que já partiram e dorme abraçado às fotos amareladas.