VINGANÇA
Jefferson, depois um dia exaustivo à procura de trabalho, retorna ao apartamento sem expectativas. Mantinha-se inconformado. Foram quinze anos de dedicação. Os argumentos de Henrique, o diretor da empresa, não o convenceram. Ele não perde por esperar.
Enquanto andava de um lado ao outro, lembrou-se de que Elisa, esposa do ex-chefe, costumava passear, à tarde, no parque com os filhos. A menina era o xodó de Henrique. Ora lembranças boas, ora ruins: a perda da esposa e dos filhos num acidente na BR 290.
À noite, chegaram ao apartamento de Jefferson, Anne e Félix, sobrinhos da esposa, avisando que a vó passara mal e fora levada à emergência do Hospital Santa Luzia.
Jefferson, ao vê-los, irritou-se. Além de a sogra ter outros familiares, a presença dos jovens poderia estragar seus planos. Mas, ao mesmo tempo, ficou apreensivo. Dona Eloá sempre o tratara com carinho e afeto. No momento em que acalmava os adolescentes, recebeu uma ligação do hospital solicitando que fosse até lá. Caso não se apressasse, poderia não ver a sogra com vida.
Após os funerais de Dona Eloá, Jefferson decidiu raptar a filha de Henrique. Mandou colocar telas nas janelas; comprou brinquedos e guloseimas que crianças apreciam. Roupas infantis não seriam necessárias, tinha as dos filhos. De início, não se identificaria. Queria ver o chefe sofrer.
Numa tarde, Jefferson botou em prática sua vingança. Enquanto Elisa brincava com os meninos no balanço, raptou a menina.
Surpresa, a pequena começou a chorar. Jefferson gritando, disse-lhe:
– Para, senão ficará sem comida e água até teu pai me chamar para o trabalho.
Tarsila perguntou-lhe:
– O senhor é amigo do papai?
– Não. Chega. Quieta!
Henrique e Elisa, ansiosos por notícias da garotinha, não saiam de casa.
Trimm... Trimm... Elisa corre para atender ao telefone.
– Como está minha filhinha?
– Senhora, liguei para avisá-los que o jardineiro irá às 14horas.
Minutos depois: Trimm... Trimm... Trimm...
– Como está minha filhinha?
– A que horas o Sr. Henrique virá à empresa?
– Por gentileza, cancele os seus compromissos. Ele está indisposto.
Chorando, abraçaram-se. Trimm... Trimm... Trimm...
– Como está minha filhinha?
– Passe o aparelho ao Henrique.
– A Mariel está comigo.
– O que o senhor quer para devolver a minha menina?
– Apenas o meu trabalho.
– Jefferson?!
– Sim.
– Como está Mariel?
– É muito chorona.
– Terá a menina depois que o setor pessoal entrar em contato comigo e se o senhor garantir que não fará contato com a polícia.
Não conseguiram dormir naquela noite. Tão logo o dia clareou, Henrique foi à empresa. Pensou em contratar um detetive a fim de localizar a filha; porém, Elisa não aprovou.
Os sobrinhos da esposa de Jefferson o procuraram, porque não sabiam o que fazer com alguns pertences da avó. O tio os recebeu na porta e recomendou-lhes que doassem a uma Instituição de Caridade. Parecia nervoso. Quando Anne e Félix se afastavam, ouviram um pedido de ajuda vindo do fundo do apartamento. Tocaram, com insistência na campainha. Foram ignorados, o que os levou a ir à delegacia.
Frente ao relato dos jovens, o delegado achou melhor solicitar a presença de um psiquiatra. O caso era delicado.
No edifício, o zelador forneceu-lhe uma cópia da chave do apartamento que a diarista havia deixado com ele. Com cuidado, invadiram o local. Jefferson, ao deparar-se com o grupo, descontrolou-se. Imobilizaram-no com uma camisa de força.
Há vinte anos está no Sanatório São José.
Mariel, sem entender o que lhe acontecera, comentou com os pais que tio Jefferson cantou para ela dormir. Era um pouco burrinho, o tempo todo a chamou de Flora.