Área de fumantes
A vida parece não passar nas tardes quentes de domingo. Especialmente aqui nesse canto do mundo. Não sopra uma brisa. Nas árvores, as folhas parecem esculpidas, de tão imóveis. Os dois estão jogados no chão da sala, numa vã tentativa de se reerguerem da ressaca que as comuns noites insanas de sábado deixam em gente da laia deles.
-Tem um cigarro ai?
-Não, acabou no meio da madrugada. Aquela garota que estava comigo fumava feito uma caipora.
Na ressaca as coisas parecem quase impossíveis de serem feitas. Até o simples ato de ir comprar uma porra de um maço de cigarros faz teu cérebro dançar dentro de sua mente.
As lembranças da noite passada pareciam sempre se confundir com as de outros sábados. Muita vodca barata, dessas que se compra dois litros por menos de 10 pratas. Abundância de cigarro, pelo menos no começo da noite sempre tinha. A fila daquela boate que raramente eles enfrentavam, sempre havia um esquema pra entrarem pela entrada VIP. Tudo se repetia da mesma forma. Chegavam bêbados, abordavam várias mulheres, fumódromo, conversa fiada e etc.
-Ei, me empresta o fogo?– Um deles disse a uma garota que saía da área de fumantes.
-Claro.
-Acho que você devia ficar e fumar um cigarro comigo, sabia?
-Também acho!
Ele ofereceu um Lucky Strike a ela. Hoje em dia existe uma marginalização enorme da “tribo” dos fumantes. Mas se posso falar da beleza do ato de fumar, eu descreveria a cena dessa garota acendendo seu cigarro. Uma coisinha meiga. Mistura de brasileira com japonesa. Olhos levemente rasgados que refletiam a luz do isqueiro. Uma boca tão delicada que fazia aquele cigarro parecer um intruso naquele santuário de lábios sorridentes.
-Você não é daqui né?– Ela perguntou
-Não. Moro aqui há alguns meses.
-A trabalho?
-Sim.
As conversas de duas pessoas que se conhecem na noite seguem sempre o mesmo rumo. Profissões, gostos, hobbies, estado civil. O que era para ser um cigarro, viraram 3.
-Gostei de você. Queria te beijar.
-Bem, acho que tá cedo ainda. Me procura mais tarde para eu filar outro cigarro seu... – Disse ela saindo.
Droga! Ele pensou. Nunca fora muito bom com essas aproximações noturnas. Seu modus operandi era diferente. Levava dias normalmente para conseguir um simples beijo. Bem, noite que segue. Mais tentativas com outras mulheres. Mais foras. Nesses lugares todo mundo fica muito amontoado, mas tão distante ao mesmo tempo. E aquela música alta, com fortes batidas de graves, leva todos a uma hipnose quase eufórica.
- E ai cara? E aquela gata?
- Acho que ela me aguentou pelos cigarros, vai saber...
Em algumas noites o instinto da conquista é muito forte e torna-se uma coisa inconsciente. Ele apenas quer sentir-se vivo. Ser aceito. O beijo e o sexo depois tornam-se mera formalidades ritualísticas. Devia procura-la de novo? Bem, fim de noite, não existem muitas possibilidades, e talvez valesse a pena perder mais uns cigarros.
-Oi, tá afim de fumar comigo?
-Claro, achei que tinha ido embora.
Nessa altura da noite, os dois estavam bem bêbados. Entre conversas furadas, ele não se conteve e beijou-a. Ela prontamente respondeu. Um beijo selvagem e doce. Um pouco lacerante, culpa de um forte desejo e falta de noção. Beijaram-se mais e mais.
A noite já valia a pena por isso. Sentiu-se vivo novamente.