Tatuagem

Ele estava ali parado, no fundo do bar, observando-a já a algumas horas. Todo e qualquer cara que tentou a sorte ali, foi despachado sem o mínimo interesse. As abordagens foram as mais variadas possíveis. Puxadinha de cabelo, segurando seu braço, oferecimento de um novo drinque, aproximação dançando... todos falharam. Fato era que ela era a mulher mais atraente naquele bar. Uma linda pele morena, cabelos castanhos na altura da metade das costas, um belo par de pernas torneadas, e uma blusa que deixava a mostra as costas, exibindo uma enorme tatuagem de um dragão chinês. Todos os olhares eram magnetizados pela sua beleza. Era praticamente impossível entrar naquele bar e não notá-la.

Como fazia todas as noites ao sair para beber, ele sempre analisava muito as pessoas nos bares a sua volta. Principalmente as mulheres com quem tinha alguma intenção. Já conhecia de longe certos tipos característicos da noite, até porque, ele era um deles. Sabia que a maioria ali, não conseguiria trocar mais do que 3 palavras com um estranho se não estivesse, no mínimo, servido de 3 cervejas ou 2 drinques. Haviam os mais velhos, sempre em busca de mulheres mais novas, carregando suas cervejas e esbanjando atitudes daqueles lordes antigos, que já haviam perdido todo seu poder, mas que ainda assim ostentavam a postura, e que tentavam impressionar as garotas mais novas com suas histórias de um passado que ninguém sabe, ou ninguém se importa. Haviam os caras da idade dele, em sua grande parte, com o mesmo corte de cabelo, mesmo estilo de roupa, mesma postura ao beber, mesmos assuntos, ou seja, idiotas que recusaram ter um pensamento e estilo próprio, para se adequarem a maioria. E por fim, alguns poucos como ele. Caras que passaram o dia com vontade de encher a cara, e quem sabe arrumar alguém, e que na primeira oportunidade que tiveram, entraram no primeiro bar que encontraram, sem se importar com o que estavam vestindo ou não, e com a única preocupação de que a cerveja estivesse bem gelada. Nesse tipo de bar, a divisão quase sempre ocorre assim.

Enquanto ele, mais uma vez, gastava seus minutos admirando aquela tatuagem, mais dois caras foram dispensados por ela. Sua vontade de fumar só era suplantada pelo prazer de ficar observando aquela maravilha. Pensou em criar coragem de abordá-la, pensou no que poderia ser dito para conseguir manter a atenção dela por pelo menos uns 2 minutos, pensou, pensou e pensou. Resolveu sair para fumar. É um fato interessante esse sobre não poder fumar mais dentro dos bares. Digo, o bar era um dos últimos redutos onde o homem pode encher a cara de álcool e tabaco com alguma dignidade, mas agora, os que fumam são empurrados para dentro de fumódromos, que são nada menos que aquários, e que acabam forçando a socialização apenas entre fumantes. Deprimente. Em cada tragada ganhavam um pouco mais de confiança para falar com ela, mas a cada baforada, desistia. Voltou para o fundo do bar, ela continuava lá. Sozinha. Sem pensar muito, serviu-se de outra cerveja e foi ao encontro dela.

-Com licença. Boa noite, tudo bem?

-Oi, tudo sim. Olha, eu não estou afim de...

-Calma - Ele a interrompeu - Se não for muito incômodo, só queria saber em qual estúdio você fez essa tatuagem. Parece recente.

-Ah sim - Ela baixou a guarda - Fiz ontem. Achou legal? Fiz em um estúdio ali no centro da cidade.

-Ficou excelente! Uma verdadeira obra de arte. Você tem algum cartão de lá? digo, algum contato...

-Claro, acho que tenho um cartão aqui.

Enquanto ela vasculhava a bolsa atrás do cartão, todos no bar olhavam estupefatos para ele. Como conseguiu estabelecer uma conversa, sendo que todos os outros falharam? Seu plano improvisado começara muito bem, bastava passar para a próxima parte.

-Aqui, pode ficar com o cartão para você. O estúdio fica ali perto da praça...

-Ah sim - interrompeu, pegando o cartão - muito obrigado. Desculpe pelo incômodo.

Ele se virou e saiu. Como se nada tivesse acontecido, foi fumar mais um cigarro. Para quem não acompanhou a conversa, tudo no bar voltou ao normal. Ela, ainda sem entender nada, seguiu-o até o fumódromo.

-Ei, olha aqui. Era simplesmente esse o seu plano? Apenas interesse pela minha tatuagem? Você sequer perguntou o meu nome.

-Era exatamente esse o plano.

-Tá, e agora?

-Agora estamos conversando. Queria chamar a sua atenção e consegui.

-Isso costuma funcionar?

-Vamos ver agora. Prazer, Márcio.

-Prazer, Alice.

Fumaram alguns cigarros juntos, em meio a fumaças e risadas de histórias engraçadas de cada um. Ela tinha um sorriso lindo, escondido em risadas discretas. Passaram horas a falar e beber. Ele não se conteve, e roubou-lhe um beijo. Ela, ruborizou, mas correspondeu.

-Seu plano funcionou, por fim - ela disse.

-Melhor do que eu esperava.

Beijaram-se por mais um longo tempo. Resolveram partir.

-Meu cigarro está no fim - ele disse - podíamos para em algum lugar para comprar mais, algumas cervejas e irmos para minha casa. O que acha?

-Ótimo, mas vamos para o meu apartamento.

Entrando no carro ele acendeu um cigarro para ambos. Passou o cigarro a ela, beijou-a e ficou pensando em como a vida pode ser boa. Suas noites eram sempre inusitadas assim, mas em todas as vezes ainda se surpreendia em como poderia ser cada vez melhor. Acelerou, e saiu. A noite estava apenas começando.

Márcio Filho
Enviado por Márcio Filho em 30/11/2016
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