Pequenas histórias 171
O que acha
- O que acha desse tecido? – perguntou mostrando a peça para ele.
- Para que? – respondeu intrigado.
- Ora! Não sei quem sabe uma blusa para mim.
- Se for para você é bonita, está mais para mulher do que para homem.
- Vamos ver outros, então.
E continuaram a andar pela loja de mãos dadas pouco se importando com o vai e vem das pessoas.
A loja especializada em peças de panos de todos os tipos mantinha uma movimentação de fregueses até que razoável. Como os tempos vinham mudando, a loja procurava se adequar as modificações para não perder a clientela. Percebia-se que lentamente, em proporções estritamente pequenas, móveis vinha sendo expostos nos cantos das vitrines tendo ao lado cartazes que prometiam vantagens que um carnê possibilitaria adquirir o objeto dos seus sonhos.
- Reparou que a loja está mudando? – disse ele um tempo depois.
- É preciso se adaptar aos tempos novos, não acha?
- Acho, mas só que com isso, ela deixa de ser aquela loja só de tecidos e passa a ser uma loja qualquer que vende quase de tudo.
- Se tornando como o Mappin, vendendo a prazo, onde os pobres coitados compram com a promessa da facilidade que o carnê “apresenta.”
Duas semanas depois, ela lhe entrega um pacote todo enfeitado.
- Um presente para você. – disse toda alegre.
Pelo formato da caixa só podia ser uma camisa, pensou.
- Obrigado, por que isso agora?
- Ah! Por que achei que deveria lhe dar um presente, ora...
Abriu o pacote lentamente, desconfiado, já imaginando o que saltaria aos seus olhos. E dito e feito. Deparou com uma camisa toda de bolinha verde com umas flores em rosa, era o pano que haviam escolhido duas semanas atrás e que ela pediu a sua opinião dizendo que seria para uma blusa para ela. Ficou tetricamente abismado com aquela aberração. Ele não iria vestir de maneira nenhuma a camisa. Vendo o namorado quieto, perguntou:
- Gostou?
- Se gostei?! Oh! Claro que gostei para dar ao primeiro mendigo que aparecer.
- Mas como não gostou se foi você mesmo quem escolheu o pano.
- Escolhi pensando que fosse para você, fui enganado e essas coisas não se faz.
- Sua mãe gostou. Ela que fez a camisa.
- O que? Minha mãe!
- É, sua mãe.
- Ela não percebeu que esse pano é horrível, feminino demais para um homem? Ela pensa que eu sou o que? Veado é isso?
- Não é isso...
- É o que então, me diga.
- Bem, ah você tinha gostado do pano?
- Sim, gostei para os outros e não para mim.
- Você é ingrato...
- Ah! Sou ingrato, ta certo. Tudo bem fique com a camisa e tchau.
- Espere! Você não está falando a verdade, está?
- E por que não estaria?
- É uma camisa apenas.
- Certo, uma camisa embrulhada na enganação patética de rebaixar o gosto dos outros, isto é, do seu namorado.
- Se é assim levando aos extremos uma simples discordância, passe bem.
- Simples discordância que no futuro poderemos maldizer nossas decisões de hoje.
Não esperou respostas. Deu as costas, bateu o portão, jogou a caixa no próximo lixo que encontrou e nunca mais ouviu falar dela, e, nem ela nunca mais ouviu falar dele.
pastorelli