Publicado na Revista Fenix, Portugal e outros países.De certa forma, foram coisa que vivenciei, pinceladas com certa dose de humor e surrealismo...
Por isabel Sprenger Ribas.

**************************************************

Um susto tão grande, sabe, assim quando me entrego ao pensamento. Mas não é aquela história do como é que a gente voa quando começa a pensar...não! É outra coisa.
É uma agonia e, ao mesmo, tempo algo muito bom, muito bom, como se fosse uma coisa por nascer. Mas não sei o que iria nascer. Como se eu fosse implodir de algo que também não sei o que é. Como se muita, muita água inundasse lugares que não descubro quais sejam ao abrir comportas que não sei onde estão; como se eu abrisse portões que fecham nem sei o quê; como se eu ouvisse o que fala um mudo e conseguisse me expressar sem sons ao cego tolhido da visão.
Não sei o que é isto!
Sei, porém, que me entusiasmo e me entristeço. Ao mesmo tempo. Diria eu, e isto é possível? Qual adolescente, busco um horizonte propício para aterrissar meu próprio eu. Não sei bem onde ele está agora. Mas sei sim, alma e espírito estão juntos, sem conflito, sem divergências.
Há um óbice! Meu corpo reclama a vida de outrora, como eu era nas demais passadas horas dos meus instantes. Não consigo voltar. Meu passo se esforça, danço uma música em meu próprio rodopio e sigo assim, girando sem parar...
E há o vento. Um vento surdo ao meu apelo para que não faça barulho e nem agite, se agita muito assim mesmo... e eu não queria barulho para as flores vermelhas que eu vejo ali...que flores... que flores!
São lindas, imensas, cheiram tão gostoso. Vou à sua busca. Mas me escaparam como escapa o peixe das mãos molhadas do pescador. Entra outro tape. Revejo agora águas se misturando. Como se fosse Manaus, rio e mar. Grita uma arrara, ali à esquerda.
Ardido silvo que me chama à tona. Que é isto?
Não sei de onde vem um som. Mas é bonito. Ciranda? Sim, ciranda nordestina. Chegou aqui, bem no fundinho da minha lembrança. Parte de mim, é incrível. Vivi ciranda. Dancei ciranda, girei ciranda. Era aquele dia, lembra? Ciranda tem cheiro, sinto. Danço ciranda. Agora. Agora.
Há alguns porões por aqui. Ou seriam sótãos, daqueles antigos, em forma de triângulo. Em certos cantos era impossível entrar. Quem lembra daqueles sótãos? Cheiravam um cheiro de sótãos, bem sótãos. E a gente chegava lá pela escadinha estreita.
Em uma escadinha destas eu perdi um lacinho do meu sapato de verniz…sete anos...eu tinha...era lindo o meu sapato. Mesmo sem laço.
Toda blusa feminina fica linda se tiver preguinhas. Destas bem estreitas, costuradas e passadas a ferro. Parece que nem se mechem.
E uma coisa muito gostosa para fazer de noite é arroz com ovo mexido. Se desejar ponha uma pimentinha, reforça o sabor.
Fui indo, era uma estrada bem estreita, e claro, eu estava com medo. Mas todas aquelas pessoas que me olhavam ali, à beira de onde eu passava sorriam com ternura, deixei de sentir medo. Também sorri. Foi muito bom.
E o homem que me disse desaforos, naquela entrada do cinema nunca vai entender porque não lhe respondi à altura. Na verdade, nem mesmo eu sei porque...
Ela fazia artesanatos lindos. Alguns deles eram anéis, pulseiras, brincos com as letras do teclado do computador velho que ela não usava mais. Também, deixou de ter vontade de escrever de uma hora para outra. Não sabia por que. E nem sua tia por parte de mãe.
Engraçado. Aquele senhor bem velhinho sorria sem dentes. Mas seu sorriso não era feio. Era só desdentado.
Ela não notou. Mas saiu de casa com um pé de sapato marrom e outro preto. Os dois eram altos. Só viu quando desceu do ônibus, na Praça Santos Andrade. Mas foi lá assim mesmo, onde tinha que ir. Afinal, o que é um sapato diferente do outro? Está cheio de gente que não tem sapatos...
A briga foi muito feia. Cada um queria a razão para seus argumentos. Não adiantou nada. Com razão ou sem ela, cada um foi para seu lado e nunca mais se falaram, se viram, se disseram coisas. Mas se odiaram até sempre.
Caia forte e grossa, com pingos muito grandes. Aquele telhado tinha uma calha que não comportava tanta água de uma vez só. Evidente que houve inundação na sala da frente. Era ali que a calha, bem lá em cima do telhado, ficava mais fina.
E por isto eu nunca mais quis saber de bala de goma. É claro que a verdinha, de hortelã, eu comia. Mas só quando sabia que não chegaria visita nenhuma, pois o ordenado de qualquer pessoa normal não seria suficiente para cobrir as despesas da compra que ele fez.
Todo aperto de mão traz um enorme bem-estar. Mas a panqueca de carne moída tem que estar no ponto, bem-feita e suculenta. Quase como um beijo de amor.
Falando nisto, porque as moças desapareceram da sala naquela hora? Nunca mais o pipoqueiro chegou atrasado, depois disto. Mais ainda. A sogra do rapaz da esquina era muito braba. Tão braba que ninguém chegava nem perto do moço. Pobre moço!
Era engraçado pois aquele homem tirava os dentes e guardava na caixinha. Todo dia de manhã eles estavam lá, no mesmo lugar. Não saiam dali. Ela, a dentadura, sorria para ele, logo cedinho.
Saúde, disse a menina para o cara que passou do lado de lá da rua para o lado de cá. E completou. Por favor, o senhor espirre para o lenço. Fiquei olhando!
Não adiantou ser delicado. O leão, desde que fora para aquele zoológico nunca deixou de fazer suas necessidades no lugar errado. Não havia pá de lixo que resolvesse.
Nunca gostei muito de gente que puxa saco. Mas de quem joga serpentina no carnaval, sim, gosto demais.
Faz lembrar o sujeito, aquele. Quem? Não lembro mais!


iSR. Curitiba - Paraná - Brasil

isabel Sprenger Ribas, Licenciada em Filosofia, pela PUC. Residiu em Brasília por vinte anos. É concursada (1976) e aposentada pelo IPEA/ Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, no cargo de Técnica em Planejamento e Pesquisa. Possui várias Publicações Técnicas.
Publicações Literárias: Quase entre aspas, cheio de reticências; Um livro, seis mãos, três idades, 2002; Mulheres de Coragem, 2006; Instituição Lanche das Gatas, 2012; Aconteceu em Curitiba, Romance Colaborativo, 2015;  O Poeta e Nuvem Menina, 2015 e colocado em DVD, por SemeArte e Inter Primus Pares. Participou das Antologias: Poesia do Brasil. Proyeto Cultural Sur –Brasil. Volume 11, 2010; Volume 13, 2011, Volume 15, 2012, Volume 17, 2013; Volume 19, 2014 e Volume 21, 2015.Aguarda o 2016. Antologia do Jubileu de Diamante do CPFC em 2010, Conexão II e vários Opúsculos. Em fase final de revisão: Efervescência em Ebulição e o Homem que Ensinou a Amar. Membro da Academia Feminina de Letras do Paraná, Academia de Cultura de Curitiba, do Centro Paranaense Feminino de Cultura, do Centro de Letras do Paraná e União Brasileira de Trovadoires/ Curitiba( apreciadora da Trova).
Encontra na Escrita a calma interior que a faz infinitamente feliz e realizada. Ama à Vida, sua família, seus semelhantes, a natureza e toda a obra divina.
isabel Sprenger Ribas
Enviado por isabel Sprenger Ribas em 26/11/2016
Código do texto: T5835253
Classificação de conteúdo: seguro