BOLO RECHEADO...OU COFRE?

O encanto da casa. Malcriada, atrevida, respondona com as palavras certas perante adultos “errados”... Sempre argumentos válidos desde bem pequena, os mais velhos assumiam... Rebelde defensiva, nunca agressiva. “Vai ser advogada, estudar na UFRJ, muita honra!”, diziam. Não foi. (Vontade própria. Ainda bebê, arrancara mini brinquinhos dourados... sem machucar as orelhinhas.) Castigo meia hora sentada numa cadeirinha - para se distrair, sem má fé inicial, imitava antigas gravações da avó, talvez, cantava esganiçadamente CARMEM MIRANDA, o que conseguira apreender e aprender, misturava “Taí!” com as outras canções, castigo reduzido a cinco minutos. Bom, tivera sempre festa de aniversário desde o primeiro ano... Agora, já compreendia mais e a tia-avó, repetindo ações semelhantes com outras familiarezinhas (ELA nunca vira), indicou o lugar certo para cortar o bolo, faca não perigosa, galalite azul. Alguma coisa dura lá dentro, teve dificuldade, não pediu ajuda (ela?!) e usou a mãozinha. Uma caixinha e... uma pulseirinha dourada, bolinhas miúdas. Nada tola, não imaginou ter nascido ali, entre a farinha e o açúcar (sempre bisbilhoteira em doces na cozinha). Claro que o bolo fora assado, cortado e a joiazinha colocada, bolo depois restaurado com a cobertura branca açucarada. Há uma versão histórica que remete a um antigo faraó, mas a tia-avó não sabia nada disso... Quem estava na festa, copiou... até hoje ELA não copia nada de ninguém, super extra hiper criativa em muitos setores, não masoquismo e sim orgulho de ‘inaugurar’ algo e ser copiada.

Voltando...

Nenhum advogado na família - namorou anos depois, evidentemente... Ih, por acaso descobria acadêmico ou já formado. “Lá vem bomba na minha vida!” Havia um ‘chato’ que ELA repeliu: decorou frases latinas, dizia ‘falar’ latim (com quem? com o polonês Karol, modernamente com o argentino Jorge Francisco?!), num tempo ultrapassado, já antigo de missas em português. Em latim, bastam para ela os populares ‘libertas quae será tamen’ e ‘dura Lex sed lex’... Como piada, ‘vade mecum’, coleção de receitas culinárias, cada receita é uma Lei que não pode ser alterada.

Ensinou a muita gente sobre bolo-cofre. Vale a pena (fazer e) ver de novo a alegria de uma pessoa aniversariante, por mais humilde e simples que seja o presente-surpresa. (Qual a cor exata do batom de uma loura?) O filho de uma amiga acabara de fazer 18 anos, aprovadão para medicina, um dos primeiros no listona. Ganhou um carro, ainda não sabia (só faltou mãe acorrentar a boca do marido falador precipitado) e a chave foi colocada dentro do bolo - jovem ficou pálido, sem passar mal: “Onde enfio esta chave?” Gargalhada geral porque a mãe respondeu ‘não-espere-que-eu-diga.........’ - o carro estava no jardim, laço de fita enorme, cena copiada do cinema. (Brasileiro, eterno antropofágico!) Mãe de duas meninas não pôde festejar em maio, reuniu as duas crianças em outubro. Minha AMIGA deu de presente o bolo alto, cremoso em camadas finas de chocolate, conteúdo secreto, entortou na viagem de carro entre dois bairros próximos, estava mais para a pendente Torre de Pisa, caixa de pulseirinhas na parte inferior. Nunca ninguém tinha visto tal coisa, explicou a tradição familiar. Pior que depois as meninas viam bolo de chocolate nas lojas de lanche, enlouquecidas, mas... sem o imaginado e esperado brinde. Para um advogado, o presente seria miniatura de malhete (martelo de juiz) ou uma Têmis nua, deusa da mitologia grega, eterna guardiã das leis e da justiça? /Ué, nem toda nudez será castigada./

NOTA DO AUTOR:

A propósito, cultura urbana. O prédio da Faculdade de Direito da UFRJ (antiga Universidade do Brasil, UB), no centro da cidade, é antiquíssimo. Século XIX, diretório monárquico do Brasil. O Palácio do Conde dos Arcos, “nosso” último vice-rei, residência construída em 1819, ‘abriga’ hoje a faculdade. Foi assim: perto da então despovoada praça da Aclimação (atual Campo de Santana), local de ciganos, esquina com rua do Areal (ou das Boas Pernas), atual rua Moncorvo Filho... Sob a regência de Dom Pedro I, por motivos políticos, o Conde voltou para Portugal em 1822, e após obras (já havia super faturamento?! e a condenável delação premiada?) a construção passou a ser sede do Senado Imperial em 1824 - com a República e a Constituição de 1891, Senado federal até 1925, quando mudou-se para o Palácio Monroe... no local, diversificadas repartições públicas... por fim a faculdade. Consta que há muitos fantasmas discurseiros. Chefiados pela Águia de Haia? Tudo indica que sim... Informação: MACHADO DE ASSIS escreveu livro “O velho Senado”.

F I M