A blusa preta
Sabrina, aquariana, sempre foi muito consciente de si: nunca deu importância ao que os outros pensavam.
Fazia seu próprio estilo de moda. Criava suas roupas, com recortes diversos; ousava nos decotes. Ela podia. Sua beleza causava inveja. Cabelos longos, sedosos, corpo nas medidas certas. Nunca se achou bonita, embora fosse muito.
Vivia quase que no mundo da lua, sonhando, .... Escrevia; pintava; desenhava; cortava e costurava. Vivia criando no papel, nas linhas, no pano, na tela. Tinha alma de artista, de poeta, de bailarina.... Se pegava rodopiando na sapatilha de ponta a todo momento.
Era muito romântica; encantada com a vida. Amou e foi muito amada; sofreu e fez sofrer também. Coisas do amor e da juventude. Viveu sem fazer mal a ninguém.
Casou e teve filhos. Cresceram. E seus sonhos na gaveta ficaram guardados. Percebeu que não estava feliz no casamento e decidida, resolveu separar.
Separação não é fácil. É um elo que se rompe. Um sonho que se desfaz. Fica tudo de cabeça para baixo; filhos não aceitam, ficam magoados e é preciso colocar a casa em ordem, abraçar carinhosamente cada um. Refazer a vida....
Depois da separação, ela havia se recolhido, por um bom período, até que todos estivessem bem.
Percebeu que não estava mais infeliz. Voltou a olhar-se no espelho e notou que estava muito diferente, não sabia se era o brilho dos cabelos, ou os olhos que voltavam a sorrir. A pele do rosto, que estava mais exuberante. Estava mudada. Mas o que a fazia tão feliz?
"Era a felicidade que voltou a morar nela".
Abriu o armário e tirou todas as roupas que não combinavam mais com ela. Ficou quase sem nada. Mas, ela tinha o dom de fazer um novo guarda roupa com poucas peças.
Comprou alguns poucos metros de tecidos bariados, abriu a máquina de costura e num passe de mágica, dias depois, o guarda roupa estava renovado.
Era uma tarde de primavera, quando vestiu a calça jeans azul claro desbotada, duas fendas feitas por ela na altura da coxa , calçou sua sandália de salto e vestiu sua blusa preta, estilo cigana, dessas que deixam os ombros de fora. Percebeu que ainda podia usá-la, sem o sutiã, pois lhe ressaltavam os seios firmes, mesmo após os filhos. Genética? Talvez....
Pegou a chave do carro e saiu. Tinha resolvido mudar a decoração da casa. Pesquisou preços, olhou vitrines… Queria saber qual a tendência na decoração, o que ela poderia aproveitar do que já tinha, para dar outra cara na sala. Queria voltar a receber os amigos.
Se a tarde estava linda ao sair de casa, agora, ao retornar, chovia forte. Ela havia deixado o carro em um estacionamento pouco distante do local das lojas.
A chuva não diminuía. Resolveu, então, ir beirando as marquises das lojas até chegar ao estacionamento. Porém, próximo a ele não havia onde ficar protegida da chuva.
"Quem sai na chuva é para se molhar", pensou com seus botões.
Ficou então, esperando a oportunidade para atravessar a avenida. Reparou que alguns motoristas a olhavam e buzinavam.
Pensou de novo com seus botões “Não podem ver mulher que ficam assanhados, mesmo na chuva”, Até o manobrista do estacionamento, discretamente, olhou pra ela .
Chegando em casa foi direto para o quarto a fim de pegar roupa seca e trocar. Quando abriu a porta do armário parou um pouco em frente ao espelho e percebeu que a blusa de tecido fininho molhada, marcava os seios e os bicos arrepiados.
Arregalou os olhos. Sentiu o rosto formigar. Pensou, envergonhada, nos olhares da rua enquanto voltava para o estacionamento.
Fazia tanto tempo que não era olhada com desejos, admiração. Ficou parada, em frente ao espelho, observando detalhes. As lembranças de um passado recente de seu casamento, quase trouxeram-lhe a tristeza de volta.
Suspirou alto, levantou a cabeça, sorriu e falou de novo com seus botões.
- Preciso usar esta blusa outras vezes, principalmente quando estiver chovendo. Dane-se, se vai ficar marcando ou não meus seios.
"O que é bonito é para se ver!"
Ana Maria Brasiliense