ARRANJO (Livro Inexpressividade) RLESSA
ARRANJO
Nada mais soube do peso que abarcava seu coração, somente dos futuros passos por serem dados para longe daquilo tudo que até então acreditara intransponível e tão exato desde o momento em que se reconhecera e aceitara semelhante às tantas existências de seu convívio e que eram naquele momento traçados em idas e vindas de infindas voltas em um vicioso ciclo de idéias e ideais já rotos pelo desuso do reinventar; era fato até então ser o existir a consumação de uma questão de costumes e usos sob julgo d’outros dentro do impossível sonhar e realizar.
Amarras eram invisíveis forças que adulteravam quaisquer possibilidades de entoar antigas e sábias melodias de ancestral sensibilidade, foram tão desgastadas e rudemente endurecidas pela inércia, que romperam em silêncios dormentes e suas notas não mais eram suas libertinas práticas musicais à fomentar novidades de novos e coloridos tons, desafinaram a claves antes ensolaradas, agora fruto de insofismáveis delitos aos despudores da criatividade; acinzentaram-lhe os poucos bemóis descolorindo rimas e rumos por serem ávidos os desejos de novos amanhãs.
Os corpos não mais eram coerências sensuais devido ao profundo corte do prazer físico paulatinamente substituído pelo insaciável desejo de toques tão superficiais que não aqueciam nem tempo, nem almas, formam mantidos desnutridos para que se desarticulassem do poder criador, perigo que desarticularia as práticas de domínio em pauta enquanto fomentadora do desajuste do ser, do espaço, do verde que se tornara cinza a cada rude toque; corações foram substituídos por fétidos ventos que varreram a essencial sensibilidade para dentro do esquecimento .
De tudo do que esteve até então estabelecido nada restava se não a obediência servil nada pueril, servida à mesa da ignorância deixando restos que jamais nutria a gana de vida que insistia brotar nas entranhas de cada uma de suas células que insistentemente desejava renovação que há muito fora interrompida, corrompendo a ponto de as manterem decreptamente envelhecidas; eram nelas plantado o mais puro desejo de novamente de deixar amanhecer semente de novas e esperançosas manhãs, transmutáveis e de intransferíveis prazeres pela vida há muito proposta.
Atravessara o imenso deserto de sua inexistência febril pela cura dessa sede de liberdade que se submetera anos sem se perceber fomentáveis vendavais interiores por virem, sequiosa era a paisagem que obstruíra o brotar dos filetes de aquosas eras, após as dunas de desespero que se adiantara aos olhos segando-lhe, secando-lhe; todas as inimagináveis possibilidades se apresentavam e agora era delas as sede de encontros de novos caminhos, mesmo que por mares de profundezas tais que medrariam corações que jamais se predispuseram à tal navegação.
Hoje enquanto caminhante por sobre outros desertos solitários e desencontrados de esperanças, sente-se a úmida necessidade que trará à algumas destas condições por puro fomento, força e poderio para serem fonte de nova humanidade, que de outra forma poderia sê-lo, haja vista também ter sido semeado de abismos de seu próprio existir e que apesar de temores soubera ser o salto inevitável e a fúria necessária para essa sua nova condição que nada de calmaria habita, e nas incertezas caminha, ocasionando por vezes novas óticas; soube ser o momento com ele ser uno.
O luar inspirou-lhe saudade das aventuras passadas e liberdade conquistada, seu clarão despertou-lhe antigas canções que ecoava ao longe de um desértico tempo, soube de seus mares, as melodiosas marés que ninou-lhe sonhos de possíveis acontecências, mesmo que isso opusesse à toda carga de deveres à ele imputada, se desfez das amarras e seguiu feito nau liberta e desperta, jamais podendo o retorno ao seu lugar comum, jamais podendo mais a cegueira de outrora; de felicidade nada mais tinha como conquista, nessa sua atual inteireza não mais lhe habitava certezas apenas horizontes por virem e abismos porsaltar
NOTA:O presente texto é parte integrante do livro "Inexpressividade" de autoria de Roberta Lessa