Entre o Barça y el Madrid

Cunegundes, o Henry Miller caipira, depois da surra na Boate Azul de Paris, pelo amor de Soraya, a Argelina, aparece em Barcelona.

À espreita do próximo encontro, vai jantar e tomar um vinho. Dolores é a nova conquista. Cutucado pelo nome, vai assoviando pela rua um velho samba-canção interpretado por Nelson Gonçalves, “Dolores Sierra”. “Dolores Sierra, vive em Barcelona, na beira do cais..” Essa Dolores, porém, vive melhor que a de Nelson e o espera em seu pequeno e bem arranjado apartamento num bairro central. Assim que terminar a final da Champions, Barcelona e Arsenal, no Stade de France em Paris - imperdível evidentemente - tomará um táxi para encontrá-la. Tudo combinado.

Assiste à decisão num restaurante, enquanto come e bebe. O Arsenal faz um gol no final do primeiro tempo e sustenta o placar até os 31 do segundo, quando Eto’o empata. O Barça quer ganhar sua segunda Champions. Belletti, o lateral brasileiro, desempata aos 35, mas até os últimos momentos permanece a incerteza. O empate leva à prorrogação e ainda poderá haver decisão por pênaltis e até uma derrota. Silêncio e tensão prevalecem no restaurante. Parece que até garfos e copos estão enfeitiçados e se detêm à frente das bocas nos momentos cruciais. Só com o último apito a tensão realmente termina e se inicia a comemoração.

Cunegundes vai caminhando para o hotel, nem feliz nem infeliz, só pensando no encontro com Dolores. No caminho, vai assoviando “Dolores Sierra” e, se emoção havia era pela musa, não pela segunda Champions do Barça. No entanto, não deixa de perceber o crescente clima de festa que toma conta dos arredores. Gente descendo dos edifícios, foguetes, buzinas, gritos, cantoria. Ao passar na frente de um prédio, um jovem percebe aquele passante indiferente à glória “culé” e grita:

- Olha ali! Aquele é castelhano, com certeza. Estás triste? “Madrillista” de mierda!

O quê? Torcedor do Real Madri? Nunca. De repente, Cunegundes se toca: está na Catalunha e a rivalidade centenária com os castelhanos, além de política e econômica, se materializa violentamente no futebol. Estar ali, naquele momento, indiferente à conquista da Champions é traição. A reação é imediata. Instintivamente, Cunegundes passa a gritar, com sotaque e tudo:

- Brasil! Brasil! Belletti! Belletti! Viva o Barça! Viva!

De repente, o que poderia ser uma chacina, transforma-se numa comemoração desenfreada. O jovem do edifício é o primeiro a abraçá-lo e arrastá-lo para o meio do grupo de felizes, fanáticos “culés”. Eles o abraçam, o cercam, saltam, dançam e o arrastam para um pub irlandês ali por perto. Depois de algumas cervejas, já o apresentam como Belletti, “nuestro héroe”, sem contestação. Dali, não pode mais sair. Sem celular, Cunegundes não pode dizer a Dolores o que se passa. Não resta outra senão conformar-se com seu triste destino e encher-se de Guiness, de graça, paga pelos felizes campeões.

No outro dia, ao procurá-la, de ressaca, já quase duas da tarde, ela não o recebe. Do interfone, despede-se:

- Não sabia que gostavas tanto de futebol e do Barça. Te esperei até às duas da manhã, que tola sou eu. Quase perdi o horário do trabalho! Fica com teus homens, maricón!

Pobre caipira, uma questão interna espanhola acabou com seu romance promissor. Adeus, Barcelona, adeus! Adeus, Dolores Sierra.

De qualquer maneira, não poderá deixar de agradecer a Belletti, caso o encontre. Foi o nome mágico que lhe salvou a pele.

* Se adora infortúnios e trapalhadas amorosas , leia "O Henry Miller caipira e a Boate Azul de Paris", no link abaixo:

http://www.recantodasletras.com.br/contos/5305053

William Santiago
Enviado por William Santiago em 24/10/2016
Reeditado em 16/10/2020
Código do texto: T5801411
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