PERNA CURTA DA MENTIRA

Falava da mulher com muito entusiasmo. Bom, seguindo a tradição desde a tecelagem com as peles dos animais selvagens, a canja com ave do paraíso e a torta doce de uva (ou figo?), ficou mais ou menos estabelecido o papel da mulher dentro de casa. Coitada ou realizada, não sei... Acontece que as refeições do casal eram compradas prontas num botequim de primeira linha (perto da empresa, muita gente via...), um vasilhamezinho metálico, possível quantidade limitada para não haver sobras, ou do mercadinho saíam apenas pão, leite, ovos, carne moída, frutas e caixinha de pó para bolos, companheiros de trabalho também ali. Roupas masculinas mais pesadas, como calças, jaqueta de brim e macacão de trabalho, semanalmente a caminho da lavanderia: ele telefonava, todos escutavam, um ‘bicicleteiro’ mocinho pegava o pacote na varanda. A cada quinze dias, ele faxinava a casa e nos sábados de folga era o grande goleiro (e goleiro grande: 1.92) no time da metalúrgica. Nunca levou a mulher nem nos dias de festiva torcida feminina. Tá certo! Ciúme, talvez, ou preservá-la de algum contágio de galã que não respeita a esposa alheia. Anualmente, no aniversário de casamento, ele a presenteava com uma camisola de cetim e rendas, tamanho médio, farta coleção colorida, ele mesmo dizia. Certa vez, atrasado no horário da faculdade noturna, esqueceu um importante livro na empresa - EU me ofereci para levar, mas apenas tinha o local da residência. Pelo vidro transparente canelado me pareceu um vulto alto, a parte inferior do traje seria um short jeans escuro, pernas à mostra, junto a uma porta interna. Toquei por diversas vezes a campainha, a mulher não se mexeu, não me atendeu, olhei novamente: permanecia imóvel. Surda?! Medo de atender um estranho? Berrei que estava deixando o livro na varanda, oculto pela mureta. Fiquei nas imediações num jogo de pebolim (futebol de mesa) na calçada do botequim também pé-limpo; horário de verão, mas as horas passam, a escuridão surge e na sala da casa a luz não apareceu. Ela poderia estar dormindo na penumbra.

Num outro dia um pouco mais distante , folga dele no rodízio das máquinas, tive que levar às pressas um documento para que assinasse. Visita inesperada, não avisei......... Distraiu-se e abriu a porta. Entrei. O choque foi total e absoluto: uma (linda) boneca (loura bem alta) inflável! Fingi não ver, ele fingiu acreditar que não vi, assinou o papel e devolveu, agora trêmulo.

Bom, pelo que eu já sabia, ex-seminarista e talvez voto eterno de castidade. Pediu demissão três dias depois. Guardei o segredo.

F I M