UM SONHO REALIZADO

UM SONHO REALIZADO

Era somente José (o Zé), 'meninim feim e pequeninim' nascido lá no interior do sertão do rincão do Brasil. O Estado, a cidade? não importa... tão pequenos-distantes que talvez nem nos dias de hoje o 'google' consiga captar suas imagens. Mas nasceu... e por lá viveu seus dias de infância atrevida, muitas vezes com pouca comida, e quiçá sem muitas pretensões na vida.

Só que as coisas estavam 'perrengue' demais, e os pais do Zé, que já cuidavam d'outros quatro pequenos herdeiros (o Zé era o último dos cinco filhos), tiveram proposta de migrar praquele grande centro-urbano: a capital. E dela (da capital), só conheciam histórias e velhas fotografias e não tinham idéia do que seria em verdade uma metrópole.

Mas arrojados porque nada tinham (então era necessidade), foram eles - o casal - e os cinco filhos 'herdeiros do nada', em destino e rumo à cidade dos prédios que buscam Deus lá no alto. Lá chegando a sorte já lhes sorriu, pois o pai do Zé, incrível, logo arrumou 'trabaio' de faxineiro numa escola municipal da periferia. A mãe pouco obesa pela idade que já carregava, seus quase 30 anos (...), também começou a ajudar o pai vendendo balas e doces de porta-em-porta e nos faróis da cidade, logicamente, das ruas menos movimentadas da periferia. E os filhos, na medida em que cresciam, saindo da creche municipal onde conseguiam vez em quando comer a merenda pública tão propagada e falada nas campanhas eleitoreiras, também se davam ao 'lucho' (sim, lucho com 'ch' e não luxo) de começar a 'trabaiar' de alguma ou qualquer coisa naquela cidade tão próspera e cheia de oportunidades.

E assim foi com o Zé... que logo aos seus 13 anos de idade, começou agora a 'trampar' de ofice-boy (hoje então mensageiro) num escritório de advocacia criminalista da região. O trabalho? lógico, sem registro formal, afinal, o escritório era  pequeno, modesto, embora a clientela fosse robusta, pois muito de costume os pacotes de dinheiro que entravam e saiam naquele aposento de negócios, eram grandes e gordos. Volumes e pacotes sempre (in)discretos. E sempre manipulados pelos advogados (dois sócios), via de regra, com policiais e outras autoridades (políticos em geral) e também outros cidadãos (mais conhecidos como 'manos'), mas isso é outra história...

Voltando ao caso do Zé, lá no escritório ele constantemente assistia aos programas da televisão. Via novelas nos momentos de tempo livre e descontração.

E apaixonado ao sonho de menino, encantara-se com a 'Bela Syl', atriz loira, de beleza modesta e distinta, e já com decidida idade materna, pois na novela (e na vida real), a 'Bela Syl' já entoava cantos pra sua menininha linda de 05 anos de idade.  Ele então v-i-a-j-a-v-a nos seus sonhos, admirando a 'Bela Syl'. Pra ele, linda... a mulher mais linda do mundo... e sonhava o Zé ser para atriz o conforto, segurar imponente suas mãos, olhar nos seus olhos, sorrir, e beijá-la freneticamente, apaixonadamente...  e os dois corações batendo a mil...

Mas sonhos são sonhos e a realidade nos traz à volta. Então de volta ao trabalho porque o tempo é curto demais.

E a vida segue, e o trabalho dignifica, e o salário é breve, e os calos nas mãos ficam. E o Zé persegue, insiste, arrisca, persiste, agride, busca, evoluiu e se capacita. Faz cursos técnicos em entidades reconhecidas, cresce, amadurece, e se forma na escola do bom cidadão, passando a ser, então, um homem de bom coração, e mais tarde - passados mais de dez anos - vai trabalhar num hotel, na recepção, mas não n'administração, e sim na portaria fazendo das malas o corriqueiro leve-e-traz (e que pros pais dele já 'tava bão' demais).   

E no dia do seu aniversário (1º de abril), sem mentira nenhuma, o Zé naquele hotel de quatro estrelas que já trabalhava por pouco mais de um ano, espera tranquilo o tempo passar e vê a chegada do táxi, com novos clientes à formal recepção.

Mas ao encanto da vida, abrem-se as portas (do táxi), desce o casal (o homem, era figura política que a memória do Zé não se enganava de tê-lo visto um dia no seu primeiro emprego), a filha já grande (não mais criança), e aquela mulher mais madura, Sra. Sylvia Farias, esposa do candidato eleito a prefeito na cidade vizinha do interior, a atriz, creiam... 'Bela Syl'. Sempre imponente, charmosa, bela e ainda atraente... caminha semi-torta às escadas do hotel.

E... ops... um leve tropeço, 'Bela Syl' cai de joelhos, um tombo leve, levinho, nada feio nem cômico, nem muito agressivo, mas ao entorno da atenção, chega o Zé (no hotel, Sr. José Silva), e acode rapidamente a dama.

Dá-lhe as mãos (apoio e conforto), ergue-lhe do chão (calmo e tranquilo), e tem da atriz sua honrosa retribuição...
... que afoita, mas agradecida, e o coração batendo a mil (pelo tombo), lhe fita nos olhos (diretamente), lhê sorri (sinceramente), e lhe diz (discretamente):
     - 'muito obrigado, Sr. José'
(chamando-lhe pelo nome, até). 

Naquela fração de segundos e nos demais depois desse ato, o tempo recua, busca memórias, volta ao passado, revive a emoção, resgata em força o seu princípio, e torna-se grande em glórias. E tudo então fez sentido pro Zé (Sr. José Silva), cheio de si, inflado na sua convicção, satisfeito com o ganho do dia... e muito feliz da vida. Afinal, do nada e do inesperado, ele teve um sonho realizado.

"Não importa quanto tempo ele dure, nem mesmo como ele se dá. O que importa, na vida, é o sonho se realizar".