A BUSCA

Saíra cedo. Estava esgotada de tanto tentar resolver os problemas à sua maneira. Não suportava mais aquele estresse, aquele esgotamento contínuo. Resolvera dar uma volta. Tentar colocar as ideias no lugar. Ver o que realmente era necessário ser feito. Nunca tinha tempo para nada. Estava sempre no mais alto grau de cansaço. Sempre fora assim. Precisava de um tempo.

A caminhada parecia longa. Não tinha destino. Queria apenas ficar só com seus pensamentos. Ficar só com seu eu interior. Tentar ver luzes, novos rumos, soluções possíveis. Não sabia por onde começar. Percebeu que estava num emaranhado de prédios gigantes. Olhou fixamente em frente. Não queria se fazer percebida. Não queria ser notada. A cada passo era como se os prédios fossem engolindo suas ideias. Resolveu correr um pouco. Quem sabe assim conseguiria dissipar essa nuvem de pensamentos pessimistas?

A corrida começou lenta. Era como se o peso de seu cansaço puxasse suas pernas para o abismo. Olhou em volta. Ninguém percebia sua presença. Assim ficava mais fácil. Os passos iam se arrastando. O contato com o solo era lento e fazia um barulho suave. Resolveu aumentar o passo. Quem sabe assim não se desintegrava de vez e sumia no marasmo?

De repente sentiu seus pés se afundando. Gritou desesperadamente. Apenas sons ensurdecedores de sua própria voz chegavam ao seu ouvido. Quanto mais gritava maior era o eco e mais forte a solidão. Será que viveria assim para sempre?

Sempre que se sentia assim tinha uma vontade incontrolável de ficar só. Precisava se encontrar. Era como se o mundo consumisse seu ser exterior e ia aos poucos deteriorando seu interior. Na corrida silenciosa vislumbrava novas possibilidades. O abismo agora se apresentava como soluções possíveis. Quem sabe não estaria ali o que procurava ardentemente?

Caiu num silêncio ensurdecedor. Era tão forte que sentiu as batidas de seu coração como ecos no silêncio da alma. Pensou em milhares de possibilidades. Uma delas era deixar a vida levar no balanço do mundo. Pensou que poderia ser fácil, mas como conviver com esse martírio contínuo de seus pensamentos exigindo soluções?

Agora já não ouvia mais o silêncio. Passou a ouvir vozes. Num primeiro instante suaves como se estivessem saindo do eco produzido pelos sons de seu coração enquanto batia. Depois mais fortes como se saíssem de seus passos se afundando no nada. Eram vozes que lembravam uma cantilena. Um murmúrio profundo. Como se fossem preces ao ocaso. Parou um instante. Queria ouvir aquelas vozes. Será que seria possível retirar delas algo aproveitável?

Esperou por segundos que pareciam uma eternidade. Quem estaria murmurando tão insistentemente a seu favor? Podia ouvir seu nome. Sabia que era seu nome. Não conseguia compreender o que se dizia, mas seu nome soava forte como se estivesse prestes a romper uma barreira. Havia construído muitas barreiras em sua vida. Sabia que com tanta atribulação diária algo havia sido deixado de lado. Será que seria possível voltar atrás e reconstruir um novo rumo?

Achou melhor não se entregar aquele instante de calmaria. Retomou sua caminhada. Agora se encontrava diante do mar. A vastidão da água junto com a imensidão do universo caiu como uma luva para a sua atribulação. As águas revoltas iam carregando suas ideias. Iam levando seus pensamentos mais primitivos. Percebeu que estava diante de uma tempestade. O mar invadia a praia e começou a arrastar suas pernas. Não conseguia se prender a absolutamente nada. Percebeu que estava afundando. Será que seria seu fim?

Não se absteve da luta. Sempre fora assim em sua vida. A luta era algo permanente. Fazia parte de sua rotina diária. Percebeu que estava flutuando. Era como se voasse. Seu corpo fora jogado violentamente no deserto. A terra árida agora sem vida nenhuma era sua companhia. Fechou os olhos. Onde estaria? O que realmente estava procurando?

Essa pergunta não calava em sua alma. No deserto poderia pensar melhor. O deserto era sua companhia diária. Vivia num deserto particular, havia muito tempo. Abriu os olhos devagar. A claridade era intensa e já não conseguia ver claramente. Em pequenos flashes ia percebendo que mesmo no deserto absoluto havia vida. Ali na solidão profunda lamentou pela vida que levava. O que estava fazendo durante todo aquele tempo? Porque não se percebera como gente?

As perguntas iam aumentando. Eram dúvidas insuportáveis. Sua cabeça girava e seus pensamentos já não podiam ser levados em consideração. Caiu num barulho seco junto à terra árida. De seus olhos saíram pequenas gotas de lágrimas que sumiram no solo arenoso. Seria seu fim?

Abriu os olhos lentamente. Apurou os ouvidos e percebeu vozes insistentes a seu favor. Porque insistiam em dizer seu nome? Porque não a deixavam em paz? As vozes foram se avolumando e se apresentando mais forte. Já não podia deixar de ouvi-las. Era impossível não as perceber. Levantou-se devagar. Ainda estava cambaleante. Não percebeu nenhuma presença humana. Somente aquelas vozes, vindo do nada. Será que havia alguma intervenção a seu favor. Se houvesse, quem se daria a esse trabalho?

Resolveu seguir as vozes. Começou a caminhar. Percebeu que quanto mais caminhava mais longe as vozes se apresentavam. Mudou de rumo. E nada. Não conseguia compreender porque lhe chegavam tão audíveis e ao mesmo tempo tão inatingíveis. Colocou as mãos no bolso. Encontrou um papel amarrotado com os dizeres “Aonde for estarei com você”. Ficou confusa. Guardou o papel novamente no bolso. Olhou o outro bolso e um novo papel dizia “Por que foges? Aonde for estarei com você”. Gritou loucamente. Será que estava ficando louca de verdade? O que a perseguia? O que a aterrorizava?

Pensou que sempre há alguém querendo o bem, mas há alguém, também querendo o mal. Percebeu que é uma luta constante que o ser humano trava consigo mesmo. O bem e o mal fazem parte da formação humana. Mas o que aquilo tinha haver com sua fuga insensata? Colocou as mãos à cabeça. Precisava raciocinar. Saiu para rever sua caminhada e encontra-se no deserto, com vozes, bilhetes, solidão e mais nada. Porque fugia realmente? Já não se lembrava. O que procurava? Já não se lembrava.

Sentou-se se ao chão e deixou que sua vida fosse passando como em flashes à sua frente. Na areia viu sua vida se desintegrando. Viu o que havia feito. O quanto era egoísta. O quanto era mesquinha. O quanto se preocupava unicamente com sua vida medíocre. Pegou a areia nas mãos. Foi deixando que escorregasse pelos seus dedos. Nessa brincadeira infantil se percebeu como ser humano: passageiro, insignificante, substituível. As vozes ainda permaneciam insistentes. Mas agora já eram mais suaves. Quem estaria nesse lamento profundo a seu favor?

Resolveu fazer o caminho de volta. A cada encontro com a cena anterior via uma que fazia lembrar um momento bom. Foi percebendo um encontro natural com os entraves da vida. Quem não os tem? Quantos problemas são enfrentados diariamente pela humanidade? Quantas pessoas sofrem com tragédias e perdas irreparáveis. Sentiu-se humana. Calou seu pranto. Cerrou seus olhos. Viu limpidamente quem intercedia durante aquela dura caminhada: Sua família. Estava ali. Próxima. Eloquente. Integra. Guerreira. Orante. Venceu aquela etapa. Abriu os olhos e sorriu. Um sorriso leve. Suave. Cálido. Era bom viver.

NEUZA DRUMOND
Enviado por NEUZA DRUMOND em 18/10/2016
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