BRINQUEDOS INTOCÁVEIS

1--Comercialmente, não interessa explicar detalhes (leitor pesquisará, por certo). Novidade em 1912 - loja de departamentos, origem francesa, filial de “Mestre & Blatgé”, sede em Paris, especializada em máquinas e equipamentos. Depois, autonomia em 1924, outro nome, e em 1939 passou definitivamente a “Mesbla”; cresceu, cresceu, cresceu, vendia tudo no varejo... referência feminina de ostentação. Roupas, cama e mesa, jóias... Também móveis, barcos e aviões. Havia um teatro num andar alto. Torreão com enorme relógio de visão externa. Falida em 1999. Acabou, acabou, seria tempo de esquecer.

2--Recordações e relatos para mim. Tempo antigo, avô de minha AMIGA trabalhava lá, no balcão, assim como duas primas dele, no escritório - cultas, falavam francês, não muito comum na década de 40. Num total de quatro irmãs, iam casando e “novo” morador ia chegando para a casa enorme de dois andares, bairro de classe média ‘quase’ alta, crianças em dormitório coletivo, lavanderia numa construção à parte (inéditas máquinas de lavar roupa!), em cima dois quartos para serviçais, garagem, três carrões, em cima quarto e banheiro independentes para hóspedes... Nenhum empresário livre. Ordenadões para os gastões patrões (antes da onda de empreendedorismo)!

3--A tia-avó da minha AMIGA, menina, amava as tias idosas, unidas por forte amizade, uma pelo lado paterno, ERMELINDA, que não casara, outra pelo lado materno, ANA, e as primas, porém estas com vagas restrições de temperamento; em manhãs, visitava as idosas pela saudade, em tempo irregular. Distraiu-se e um dia acabou ficando para o almoço - adultos no intervalo do trabalho, filharada vindo da escola, ou indo para... Todos ao redor da longa mesa com louça inglesa, figuras em cores, trajes regionais. Terrina com o tradicional feijão preto. Concha grande que a ‘chefona’ da família mergulhava, conteúdo de prato a prato, rodando as pessoas até esvaziar e encher novamente - nova rodada. E assim por diante. No olhar, tia-avó e sobrinha-neta pensaram no pai da menina, bom comensal, não satisfeito com pequena quantidade. Arroz e outras comidas, todas limitadas. Uma adivinhadora de pensamentos filosofou: “Nós comemos para viver, vocês vivem para comer!” Conversaram um pouco mais e na saída as duas ‘visitaram’ a carrocinha da praça: pudim amarelo, gosto indefinido, e refresco de groselha. Almoço lá novamente? Nunca mais.

4--Havia um armário enorme, frente de vidro, exclusivo para brinquedos não muito grandes, vários já antigos, o que na atualidade /relíquias!/ só se vê em coleções particulares valiosíssimas ou mais raramente em antiquários: bonecas de biscuit, muita fragilidade, outras andavam e cantavam, algumas com o rosto das atrizes hollywoodianas mais famosas, bebês que viravam a cabeça e engatinhavam, marionetes, mini mobílias art-nouveau, louças orientais em miniatura, mini faqueiros em prata, carrinhos e trens mecanizados, bichinhos falantes, soldadinhos de chumbo, piões sonoros, jogos de peças de armar, coisas maravilhosas. “Brinquedos intocáveis porque vieram de outros países”, diziam para a visitantezinha cujos brinquedos eram modestos, mudos, sem pilha... mas “todos são brincáveis, do Brasil mesmo”, ELA dizia repetindo palavras do pai. No Natal, os granfininhos ganhavam roupas caras, porque “já” tinham muitos (???) brinquedos”.........

5--A garotada cresceu, adultou-se, foram tomando novos destinos, casando, deixaram de se ver, construiu-se um viaduto (caiu parte em 1971, foi reconstruído) que desvalorizou o casario, as novas gerações por certo se espalharam nos mais variados bairros.

6--Muitas décadas. Ano de 2014. Minha AMIGA, em pesquisa ao computador sem nostalgia ou malícia. Sim, precisou clicar ‘comércio em M’, apareceu Mesbla, descrição longuíssima, e, surpresona!!! - surgiu ISAURA, a prima do avô, secretária do patrão, que - concurso interno - juntara os dois nomes e “batizara” a nova loja-empresa. Ih, super memória, levou dias até voltar a comer fartura de batatas fritas, bife grande e feijão preto...

NOTA DO AUTOR:

Piões e bolinhas de gude existem desde aproximadamente 3.000 anos A. C. Muitos objetos não eram ainda brinquedos e sim objetos de culto. Somente com a ascensão da burguesia, em meados do século XVIII, crianças até então marginalizadas, surgiu ideia de educação + lazer, e a filosofia do ludismo fez surgir a indústria de brinquedos. A partir do fim do século XVIII, narrativas voltadas para o público infantil: irmãos GRIM e ANDERSEN.

LEIAM meu conto “Bananas verdes”.

FONTES:

“Brinquedos para contar a história” - Recorte não identificado // “Os brinquedos da vovó” - Rio, Jornal do Brasil, Revista de Domingo, n.805, 6/10/91.

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