O Infante Canela Seca
Durante os turbulentos anos 60, em meio ao cenário de profundas transformações sociais, políticas e culturais, nasce um sujeito exótico, inquieto e incompreendido com manias esdrúxulas e de caráter dócil e amável. Esse espírito indomável foi batizado de Teófilo, em homenagem a sua mãe, uma costureira chamada Teodora e seu pai Gerófilo, um operário da indústria metalúrgica. Criado no emblemático bairro porto-alegrense do IAPI costumava frequentar as praças e brincava com sua turma subindo em árvores e jogando bola na rua. Junto com dois irmãos mais jovens e seus pais formavam uma família tradicional, participavam das atividades comunitárias, iam às missas dominicais e aos bailes beneficentes. Teófilo se destacava por ser um assíduo leitor e sua agitação espelhava suas contradições filosóficas, sempre questionando as situações banais e procurando respostas em seus pensamentos e nas grandes teorias da humanidade. Sua família não tinha afeição para os debates políticos, pois o contexto dos “anos de Chumbo” censurava a liberdade de expressão e perseguia os que se opunham ao governo. Contrariado pelos pais, o rapaz militava em partidos comunistas e participava ativamente do movimento estudantil. Na efervescência dos “hippies” e sua contracultura, Teófilo se encantou e pegou a estrada, vivendo um dia de cada vez, fazendo artesanato, conhecendo novas culturas e lugares, escrevendo poesias e compondo canções. O violão embaixo do braço, roupas coloridas e a intensidade em viver cada segundo, embalados aos cálices de vinho e copos de cervejas geladas aquecidas por longas tragadas no estiloso Basepel, a marca de cigarros favorita de Teófilo. Amizades, amores e rancores foram tatuados nas suas experiências e trajetória de vida ao som de Robert Plant e King Crimson. O mundo estava em ebulição, pacifistas entre as guerras, industrialização e o colapso ambiental foram impulsionados pelos avanços técnico- científicos. Povos indígenas imersos nas floretas tropicais enquanto a corrida espacial cravava sua pegada em solo lunar. Ditaduras, revoluções socialistas eclodiram do totalitarismo e do neoliberalismo num embate ideológico na quente discussão bilateral da Guerra Fria. Ao saborear um período em sua liberdade imerso em sua literatura subversiva, Teófilo começa a se interessar pelo militarismo e técnicas de guerrilha influenciado pelo comandante Ernesto Che Guevara, Carlos Marighella, Lamarca e Luiz Carlos Prestes. Acreditava na revolução armada, mas tinha um coração amolecido pelas leituras e o exemplo de M. Gandhi liderando a resistência pacífica dos indianos diante da colonização britânica. Quando ingressou na carreira militar, os recrutas diziam que Teófilo era o “soldado melancia”, verde por fora e vermelho por dentro se referindo ao uniforme do Exército e sua ideologia comunista. Destacava-se por ter enorme resistência as caminhadas de longa distância onde quase todos desistiam e entre seu batalhão o condecoraram com a insígnia de “O Infante Canela Seca”. Sua carreira durou pouco, uma experiência curta devido ao seu temperamento recluso e sua dificuldade com a disciplina, o autoritarismo e a hierarquia imposta. Gostava dos treinamentos e das amizades que fez entre os “milicos”, mas percebia que sua vocação para a produção intelectual o impelia para o universo acadêmico. Prestou vestibular, passou entre os primeiros e foi estudar e pesquisar as ciências naturais no curso de Biologia no concorrido vestibular da universidade federal. Mergulhou na esfera do campus, trabalhou efetivamente nos projetos se envolveu na iniciação científica e gostava de frequentar os congressos e seminários. Novos horizontes brindam o Infante Canela Seca que continua caminhando pelos recantos da natureza e tem um sonho de ter um museu com as quinquilharias e artefatos que foi acumulando ao longo da vida. Acredita na educação como um instrumento que transforma a percepção das pessoas e trabalha incessantemente divulgando aos quatro ventos o seu tema predileto: as riquezas das unidades de conservação e sua importância para o futuro da humanidade! Ativo e atuante nas causas ambientais, Teófilo integra o exército dos “verdinhos” defensores da natureza e seu calibre é preciso e certeiro. Como um humanista, acredita no potencial de transformação das consciências e atitudes das pessoas numa perspectiva ecológica e ética. Da sua inquietude de criança, a sua maluquice de juventude continua com um espírito utópico quando revive suas memórias, as escolhas e os rumos da vida. Mesmo com o passar do tempo e a fatiga do corpo, o Infante Canela Seca continua a caminhar...
Publicado em Jornal A Folha/Torres e Jornal Litoral Norte RS.