AS BOMBAS
Não havia ninguém perto da porta, quando a bomba explodiu. Graças a Deus!, disse a senhora. É verdade, replicou o padre. Já pensou, menino, se tivesse alguém lá?, indagou a senhora, olhando para a avenida atulhada de carros. Abriu-se uma brecha no trânsito; ambos cruzaram a avenida com pressa. Do outro lado o padre olhou para onde estavam, como se tivesse deixado alguma coisa para trás, mas não sabia o que era. Vamos, padre, disse a senhora, puxando-o pelo braço.
A polícia vai descobrir quem fez isso, disse o padre. Quem já viu se colocar uma bomba na porta de uma repartição pública?, continuou ele. O mundo tá perdido, disse a senhora. O padre fez uma careta. Não vejo a hora de chegar, disse ele, estou louco pra fumar. Continuaram pela calçada, desviando dos passantes, que não faziam a menor ideia de que aquele homem magro, em camisa de mangas longas, era o padre da igreja do bairro mais distante da cidade. Será que o governo vai declarar um estado de sítio? perguntou a senhora. Deveria, disse o padre, secando o rosto com um lenço. O suor escorria entre os olhos, os dedos estavam úmidos. Apesar dos anos, a senhora andava rápido. Vamos, padre!, ordenou, puxando-o novamente pelo braço. Mas o padre sentia o coração bater acelerado, o ar escassear. Espere um pouco, disse ele, encostando na frente de uma lanchonete. O que foi, padre?, perguntou a senhora. Não me sinto bem, estou cansado e meio zonzo. Como zonzo? Será a pressão? Não sei. O senhor tomou o remédio pra pressão hoje? Tomei, tomei... Nossa mãe!, murmurou a senhora. De repente parece que o mundo passou a girar mais rápido, até parar de uma vez. O padre caiu no chão. A senhora gritou: Gente, pelo amor de Deus, acuda! Dois homens saíram da lanchonete para ajudar. Quando se aproximaram do padre, um deles disse: Não tem mais jeito, ele está revirando os olhos. Por Deus, gente!, gritou a senhora, esse homem é um padre, uma pessoa do bem. Os homens entreolharam-se com espanto.
Constatou-se na necrópsia que algo em seu coração dera errado, como se houvera estourado um vaso lá dentro.
(FChagas, SP, out. 2016)