MULHER DE VIDA FÁCIL

8:00h

Joelma Maria de Lurdes, dezoito anos, cinqüenta quilos muito bem distribuídos em um metro e sessenta e oito de altura, morena clara, olhos azuis, longos cachos negros que vão até a fina cintura que juntamente com a bunda perfeita e as pernas bem torneadas provam a existência de um Deus perfeccionista ou mesmo deu um diabo de muito bom gosto. Levanta, pois batem em sua porta entusiasticamente. Ainda tonta com os olhos entre abertos tropeçando em roupas jogadas e garrafas de cerveja espalhadas pelo chão, provas cabais da noite anterior quando recebeu dois garotos de no máximo dezessete anos para iniciá-los como homens. Normalmente levava seus clientes para casa assim economizava o dinheiro do motel. Na verdade não gostava de sair com garotos, tinham muita energia e gostavam de gastá-la ao máximo, preferia os homens mais velhos que mal davam uma e logo voltavam para os braços de suas esposas. Mas como os tempos andam difíceis não estava podendo descartar nada então acabou fazendo uma exceção. Com dificuldade caminha até a porta.

- Quem é?

- É a Zélia, Jô.

Dona Zélia é a vizinha que ajudou Joelma quando aos quinze anos foi expulsa de casa pelo pai alcoólatra por estar grávida de Mateus, agora com três anos, e também era quem cuidava do menino enquanto Joelma trabalhava nas frias noites Curitibanas.

- Olá dona Zélia.

A senhora robusta de fartos seios e bochechas rosadas sempre que via aquela menina tão bela, lembrava de sua própria juventude e sabia exatamente o caminho que ela traçaria.

- Desculpe vir tão cedo, mas o menino não esta bem. Teve febre e tossiu a noite inteira.

- É o clima dona Zélia e para ajudar ainda tem essa maldita bronquite.

- É bronquite minha filha? Um sobrinho do concunhado da irmã de minha amiga Creuza tinha bronquite, ela fez uma simpatia e nunca mais voltou a incomodar. Vou falar com ela para saber como é que se faz e quais são os ingredientes necessários.

- Obrigada dona Zélia, mas tenho consulta para ele hoje às duas horas. Obrigada mesmo assim.

09:00h

Joelma após medicar Mateus vai arrumar a casa, lavar a louça que se acumulava na pia há dias e colocar a imensa montanha de roupa suja na máquina de lavar de segunda mão que ganhou de dona Zélia. Conserta o chuveiro que não esquentava, faz almoço para Mateus e separa as contas mais importantes a serem pagas.

11:33h

Toca o telefone:

- Alô?

- Dona Joelma Maria de Lourdes?

- Sim, quem é?

- Aqui é Celso da assessoria de cobrança Bom Nome, a senhora como já foi informada através de carta e vários telefonemas anteriores, está com seis parcelas atrasadas das compras que fez no Mercado Ceara.

- Eu sei, foram fraudas e comida, mas não poderei pagar este mês. Podemos renegociar para o mês que vem?

- Não vai dar mais não! Eu estou sendo cobrado pelo meu supervisor, a senhora vai ter que pagar.

- Agora não vai dar. O aluguel subiu, a água também, a clientela diminuiu muito, não estou conseguindo nem comprar o básico.

- Desculpe, mas o problema é seu, se não poderia pagar não deveria ter comprado. Agora se vira.

- Mas o que é que você quer que eu faça? Eu trabalho a madrugada inteira agüentando todo tipo e ainda assim não tenho dinheiro.

O rapaz intrigado:

- A madrugada inteira? Na sua ficha consta que a senhora é diarista.

- É que a menina que preencheu a ficha ficou com vergonha de colocar puta.

Apesar de ter ouvido direito o rapaz não queria acreditar.

- Desculpe, o quê?

- Puta, prostituta, vagabunda, piranha, vagaba ou como você achar melhor chamar.

- Você é Puta?

- Assim como Maria Madalena.

- E ainda assim não tem dinheiro?

- É para você ver como as coisas estão. Mas venha cá, não tem como agente dar um “jeitinho”?

- Como assim?

- Você sabe, um programa pelo que eu devo, uma permuta.

- A sua dívida aqui é de cem reais?

- Eu não faço programa por menos de cento e cinqüenta. Garanto que você não vai se arrepender.

- Hum! Está bom. Como a gente faz?

- Encontre-me hoje na esquina da rua XV com a Voluntários da Pátria as onze e meia, esta bem?

- Como eu vou lhe reconhecer?

- Estarei vestindo uma mini saia preta com um top branco e com os cabelos presos por uma fita vermelha.

- Ok, tchau.

- Tchau.

Houve Mateus chorar. Ao pegá-lo no colo percebe que esta fabril. Procura na gaveta por um termômetro, mas não encontra. Corre até a casa de dona Zélia em busca de ajuda e como sempre acontecia é prontamente atendida pela bondosa vizinha.

14:10h

Joelma chega ao consultório médico para consulta de Mateus depois de duas horas pulando de ônibus em ônibus.

- Olá, eu vim para consulta com o doutor Mário Klamp, pediatra.

- Joelma? Consulta das duas?

- Isso, é que eu me atrasei um pouco por causa do ônibus.

- O doutor não pode esperar e foi embora, você terá que remarcar a consulta.

- Mas eu estou apenas dez minutos atrasa, ele já foi embora?

- Sinto muito. Ele é uma pessoa muito ocupada. Ele não pode ficar a disposição de qualquer um. Quer remarcar?

- E tem outro jeito?

- Não. Temos um horário para daqui duas semanas e só.

- Duas semanas? Tudo isso? Mas o garoto esta mal, tosse a noite toda não consegue respirar eu não posso esperar duas semanas.

- Procura um postinho de saúde!

- Mas eu já o trouxe aqui por que ele esta mal!

- O que ele tem?

- Não sei, acho que é Bronquite.

- Faremos assim, eu irei remarcar a consulta e hoje fazemos uma inalação nele. Darei também um remédio que o doutor sempre receita nesses casos.

- Será que não vai fazer mal?

- Que nada. É o que ele sempre recomenda. Aceita ou não?

- Que jeito.

15:55h

Mais uma viaje dentro de ônibus e chega a casa de sua mãe para que ela cuide de Mateus, pois como o menino esta doente não queria incomodar dona Zélia.

- Olá! Alguém em casa?

- Aqui no quarto.

- Oi mãe, esta sozinha? Cadê o imprestável?

- Não fale assim do seu pai menina.

- Mas é verdade ou ele já arranjou emprego? Aposto que está no bar bebendo.

- Deixa ele. Como esta meu menino?

- Não esta muito bem. Eu queria ver se a senhora fica com ele essa noite?

- Claro filha.

- Obrigada mãe. Eu tenho que ir. Quero ver se passo ainda na casa da Noeli para emprestar um “topzinho” branco que ela tem.

- Filha sai dessa vida menina, você é tão bonita, inteligente.

- Ainda não dá mãe, mas prometo que até o final do ano eu largo. Um beijo, tchau.

- Se cuida em minha filha e vê se usa camisinha! Olha a Aids. Você tem filho pequeno para cuidar.

- Claro mãe, comigo só encapado.

17:23h

Após uma breve visita a amiga, já no bairro em que mora começa a via sacra. Com o dinheiro que ganhou dos garotos na noite anterior paga a mercearia, a farmácia, o açougue e fica com cinqüenta reais para alguma emergência, pois quem trabalha na noite sempre tem que ter algum para dar a polícia em caso de batida ou qualquer outra eventualidade.

18:47h

Já em casa lembra que não comeu nada ainda desde que levantou e resolve fazer um lanche antes de ir para o curso de computação na igreja, que é mantido com doações da comunidade, pois estava decidida a largar a vida.

22:30h

Após o curso volta apressada, toma um banho rápido e se arruma para exercer a profissão mais velha do mundo.

23:49h

Assim como tinha sido todo aquele mês o movimento estava muito fraco, apenas alguns moleques procurando diversão e de vez em quando um ou outro “viado” procurando por um “miche”. Espera mais algum tempo e vê um senhor de uns cinqüenta anos se aproximar. É um homem calvo com uma protuberante barriga de chope sobe a camisa branca aberta até o meio do peito, calça marrom, grandes óculos negros escondendo as olheiras, barba por fazer e um cheiro de suor e perfume barato misturado a um forte hálito de conhaque.

- Você que é a Joelma?

- Sim. Celso?

- Eu mesmo, o acordo esta em pé.

- Claro, você esta de carro?

- Não, mas um amigo emprestou o apartamento aqui perto no edifício Asa.

0:03h

Após caminharem mudos chegam ao apartamento. Era um lugar feio, pequeno com uma minúscula sala logo ao se entrar, com um sofá velho que servia de divisa com a cozinha onde se via sobre a pia encardida algumas garrafas vazias entre copos e panelas com resto de comida dentro, na frente via-se duas portas que eram o banheiro e o quarto respectivamente.

- Sente-se.

- Não, vou até o banheiro e já volto, onde fica?

- É aquela porta a direita.

Ao se aproximar da porta do banheiro ouve risadas vindo lá de dentro. Olha espantada para Celso, mas antes que pudesse falar alguma coisa saem dois rapazes bem mais novos que ele e visivelmente embriagados.

- O que esta acontecendo. Quem são esses dois?

- Eles vão dividir a conta comigo então também tem seus direitos e vai calando a boca e tirando a roupa.

- Que tirar a roupa, eu vou é embora!

Ela caminha em direção a porta, mas antes de alcançá-la Celso coloca-se em sua frente bloqueando a passagem. Com a malícia de quem vive na noite e já passou por isso antes, dá um chute nos testículos da grotesca figura em sua frente e corre. Os rapazes que assistiam a tudo não se agüentavam de tanto rir vendo Celso todo torcido no chão. Joelma agarra a maçaneta, mas a porta esta trancada. O homem levanta-se ainda meio curvado e com um violento tapa joga Joelma do outro lado da sala. Ela tenta se levantar, mas Celso agora irado desfere outro violento soco em seu rosto que faz jorrar muito sangue de seu nariz agora quebrado.

- Essas vagabundas pensam que são gente! Estamos fazendo um favor pra essa cadela e é assim que ela retribui. Se é disso que você gosta vadia, apanhar, é o que você vai ter.

5:37h

Joelma da entrada na emergência do hospital Cajuru inconsciente levada por um taxista que a viu deitada seminua próximo ao módulo policial abandonado da praça Ozório toda ensangüentada com o olho esquerdo praticamente fechado de tão inchado, o nariz quebrado, vários hematomas pelo corpo todo e um profundo corte na cabeça.

8:00h

Horário do óbito de Joelma Maria de Lourdes, dezoito anos, mãe, que preferiu a vida fácil das meretrizes as dificuldades da vida de uma mulher honesta.

Mark Brunkow
Enviado por Mark Brunkow em 25/07/2007
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