Deu fim na vida
João Gostoso era carregador de feira livre no centro do Rio de Janeiro. Andava desgostoso com a sua precária situação de vida. Há anos morava no morro da Babilônia sozinho, em um barracão encardido e sem número. Não recebia uma visita sequer e nem imaginava por onde andavam seus dois irmãos, os dois de pais distintos. Só sabia que seus pais tinham sido enterrados no Cemitério do Caju, na época em que ele trabalhava nos jardins dos Marinho, no Cosme Velho, e nem celular tinha para ter sido comunicado que os dois morreram na mesma semana muito idosos, sem qualquer dignidade.
Naquela noite fechada e sem estrelas resolveu descer o morro e entrar no Bar Vinte de Novembro. Na esquina suja pensou que poderia esquecer de tudo o que sempre foi esquecido. Bebeu, cantou, dançou, arrumou uma rameira que trajava um vestido vermelho com bolinhas brancas que mal cobriam os seios e as pernas um tanto tortas e, no motel mais próximo e barato, a levou para transarem. Em meio ao inusitado somente uma palavra: - vamos?
Na manhã seguinte acordou sozinho e, na maior paz, caminhou sem tempo e decidiu atirar-se na Lagoa Rodrigo de Freitas. Em um lindo lugar sepultou toda a feiura que trilhou a sua vida inteira.
(conto a partir de um poema de Manoel Bandeira – “Poema tirado de uma notícia de jornal” -em Oficina sobre Gêneros Literários, ministrada pelo Prof. Márnei Consul em 08/10/2016)