O sacrifício
Estava escuro e o vento forte balançava loucamente a cortina da janela.
Ela olhou por entre o vai e vem do tecido e viu dois postes apagarem consecutivamente suas luzes. Não gostava quando isso acontecia, parecia um mau presságio.
O rádio sintonizado estava com estática e ela o desligou esfregando as mãos como se o toque as tivesse queimado.
Olhou o relógio na parede, as horas passavam angustiantemente lentas, forçou os olhos para ver se o ponteiro dos segundos estava funcionando. Quanto tempo ainda teria que esperar? Havia momentos em que pensava que não conseguiria aguentar! Precisaria abreviar o suplício?
Uma rajada forte de vento derrubou o vaso de rosas no chão, a água que ensopou o tapete lhe lembrou sangue. E o susto que levou a fez pular e sufocar um grito na garganta.
Era preciso aguentar apenas mais algumas horas, logo amanheceria.
Andou pelo aposento, mas a dor em suas entranhas a incomodava. Nunca acostumaria com ela. Fazia parte do sacrifício.
Pensou nos encontros de família, as comemorações, nos amigos. Lembrou do tempo da formatura, o baile e do seu vestido vermelho...
Uma lágrima rolou solitária pelo seu rosto e num ataque raivoso e decidido olhou pela última vez para o relógio e se dirigiu para a cozinha, da gaveta escolheu a maior faca que pode encontrar, seria sua vingança.
E num gesto único e firme abriu a geladeira e cortou metade do pudim de leite. Que se danasse a dieta.
No outro dia doaria o vestido vermelho.