O PORTAL
– Estamos perdendo a mãe! – Uma voz de mulher gritou.
De repente, tudo ficou estranho. Com o fim das vozes, do choro de bebês, e do tilintar dos metais, ela podia ouvir um silêncio de paz na escuridão. Esse era diferente de outros silêncios que ela conhecia.
Então seus olhos se abriram quando as luzes se acenderam como refletores em sequência iluminando um caminho em tons de azul. Ele ia desde os seus pés até uma porta a uns 300 metros de distância. Ela deu o primeiro passo. Não era como caminhar. Os pés flutuavam.
Por duas vezes desequilibrou-se sem cair. Aquilo era gostoso demais. Quase como um balançar de rede. Perdendo o receio completamente continuou a caminhar. Só quando decidiu olhar para trás, foi que percebeu. As luzes iam se apagando. Voltou três passos e elas não voltaram a acender. Virou-se e seguiu em frente.
Tomou outro susto, quando seus pensamentos foram processados em imagens reais. Seus últimos momentos antes de chegar ali. Então a ficha caiu.
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Já era tarde. Quando Cecilia percebeu do que aquele “ser humano” seria capaz, não tinha mais como escapar da armadilha. Depois de gritar por socorro e não ser ouvida correu pra trancar-se no banheiro.
Primeiro foi à porta que se quebrou com um pontapé. Em seguida, sentiu o primeiro dos dez golpes seguidos na sua barriga. No chão, agonizante e com as coxas ensanguentadas, o rosto de Cecilia foi desfigurado por outros cinco golpes.
– Ainda me quer assumindo teu o filho? – Cecilia podia sentir o bafo de bebida na boca do namorado. Além de drogado, ele tinha um ódio mortal e animalesco na voz.
– Puta vagabunda. Tem de saber para quem abre as pernas. – Gritou correndo para a porta da casa. Saiu sem fechá-la. Jamais seria preso. Foi morto por cinco tiros num acerto de contas do tráfico, uma semana depois.
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– E aqui, o que temos? – O doutor Richard perguntou ajeitando seus cabelos que iam até a cintura atrás do pescoço. – Parece que hoje as bruxas estão soltas.
– Mulher grávida de gêmeos. – Respondeu uma enfermeira de meia idade, sem levantar os olhos. – aparentando 20 anos.
O médico olhou para o ultrassom, depois para o rosto totalmente desfigurado da paciente.
– Oito meses. E quem fez o resto?
– Supostamente um ex-namorado.
– Vamos salvar os bebês primeiro. – Falou pedindo as luvas.
Os bebês já estavam recebendo os cuidados no berçário quando o grito da enfermeira alertou e equipe sobre a paciente.
Depois de quinze minutos de massagem cardíaca o médico dos cabelos compridos balançou negativamente.
– Tarde demais. – Disse olhando para os sinais dos monitores. – Ela se foi.
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Faltando dois passos, o trinco girou e a porta branca abriu lentamente. A primeira coisa que Cecilia viu, foi à estrada que se perdia de vista no horizonte. Muitas pessoas indo e vindo. Depois jardins, flores, florestas, rios de águas límpidas e pássaros.
Tentou ultrapassar a porta. Estranhamente foi impedida. Sua tentativa fez sons de sinos soarem como uma melodia. Não se contentou apenas em ouvir. Queria saber de onde vinham aqueles sons mágicos. Virou-se. Então Cecilia viu.
Mesmo sabendo que estava num outro corpo agora, ele estremeceu. O mesmo aconteceu com o coração, que tinha parado alguns minutos atrás. Ele acelerou no seu peito.
Dois anjos de luz vinham caminhando na sua direção. À medida que eles se aproximavam, Cecilia percebeu que não eram anjos. Por um momento pressentiu o pior.
– O que vocês estão fazendo aqui? – Perguntou preocupada.
Quando os dois se olharam e sorriram tudo começou a fazer sentido. Ouviu-se um clic na porta.
– Agora você já pode entrar. – Disse uma voz lá de dentro.
Em seguida veio um incentivo ainda mais especial.
– Pode ir sem medo. Nós ficaremos bem.
Os três trocaram sorrisos uma última vez. Depois Cecilia atravessou a porta. Extasiada com a acolhida, nem percebeu quando ela se fechou. Muitos ainda entrariam por ali naquele dia.
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No berçário, os gêmeos acordaram e começaram a chorar ao mesmo instante. Eles estavam com muita fome.