O Sonho da Praça

Uma praça enorme toda gramada. Árvores, pessoas, bancos e cães se distribuíam pingados pelo espaço. O céu era claro, com algumas nuvens, e a brisa tomava seu lugar bagunçando os cabelos, os pelos, o pó e as folhas de todo o mundo. Em um parquinho brincavam crianças de escorregar e balançar, os meninos eram cavaleiros do castelo, as meninas eram princesas rebeldes que saíam em busca da aventura. Nos acentos pais aproveitavam, enquanto se divertiam as crianças, para reviver os velhos tempos de namorados. Mães viravam moças apoiadas no ombro de pais que voltaram ao tempo de rapazotes. O pipoqueiro, pobre e inocente, feliz atrás de seu pão de cada dia, ficava por ali com um sorriso estampado no rosto a espera de um cliente a quem pudesse sorrir ainda mais. Uma garotinha quis pedir pipoca, mas quando viu seus pais com os olhos brilhando sentiu vergonha, pediu ajuda ao irmão mais velho. Este foi correndo para os pais sem nem pensar: queria pipoca e ainda por cima pipoca com torresmo. Os pombinhos riram, a mãe tirou umas moedas da bolsa e as entregou aos meninos que saíram correndo saltitantes.

Eu estava lá, afastado do parquinho, das crianças se divertindo e dos pais apaixonados, mas estava lá. Ao meu lado tinha alguém que me deixava como aquela mãe deixava aquele pai: era uma garota, a minha super heroína particular. Estávamos olhando para o céu, um ao lado do outro, sem dar as mãos (quem ousaria pegar a mão de quem?). Era azul e límpido, reluzia lindamente nos brilhantes olhos escuros de minha companheira. Estávamos ali parados há alguns minutos, talvez uns dez (talvez uns cem, talvez uns três), vendo os coelhos e as cenouras que se formavam na imensidão azul. Pernas cansadas, sugeri que fôssemos nos recostar naquela árvore, ela aceitou de pronto e fomos para lá. Era uma árvore grande sem ser dessas que juntam muito bicho em volta - o tipo de árvore que Deus criou para os namorados ainda na época em que não havia bancos. Eu me sentei primeiro sem pensar muito. Estava cansado de permanecer em pé, ela me acompanhava, não era preciso pensar. Mas logo notei por que não devia ter ido tão rápido: olhá-la do ângulo em que estava exigia mais ousadia do que permitia os poucos meses de amizade que tínhamos. Felizmente não precisei encará-la por dois segundos até que ela se sentasse ao alcance de meus braços. Beijei-a no rosto, então na mão, e querendo despistar o ato (assim como a mão que não quis soltar) apontei para uma nuvem com forma de golfinho. Por alguma razão, muitas nuvens têm forma de golfinho. Ela discordou, lembrando que a cauda de um golfinho não poderia ser daquele jeito, e que portanto a nuvem era apenas um peixe (um lindo peixe, completei). A isso só rimos e sorrimos, e ela me abraçou. Um abraço quente, apertado, um abraço que esquece da timidez e dos olhos das árvores pingadas na praça. Beijei-a delicadamente no pescoço, também sem pensar, e voltamos às nuvens do céu. Eram coelhinhos, eram sorvetes, eram golfinhos e, às vezes, eram até mesmo nuvens. Não me importei em olhar o relógio - com ela, o relógio não existia -, mas acho que ficamos por lá durante bons minutos já que as nuvens mudaram tanto de forma. Isso ou Deus estava brincando conosco, o que também não seria uma má suposição.

Deviam ser umas cinco da tarde, julgando pelo sol - estava alto quando chegamos. Ao lado dela, ali, depois de todo esse tempo, talvez por impulso, talvez por vontade própria, eu fingi me espreguiçar e deitei-me em suas pernas que pareciam estar em posição preparada para me receber. No momento em que minha cabeça tocou sua coxa eu senti o mundo parar de girar (deve ter sido mesmo por impulso). Foi a sensação mais maravilhosa de toda a minha vida, provavelmente tão maravilhosa quanto à dos pais que se beijam enquanto seus filhos brincam, tão maravilhosa que não pude manter meus olhos abertos, era precioso me concentrar nos sentidos mais importantes naquele momento. Pensei que não podia melhorar, que aquilo era o auge do aconchego ao qual um ser humano podia chegar. Havia a brisa, havia o gramado, havia o som das crianças brincando ao longe, de alguns cães latindo de quando em quando; mas mais do que isso: havia a maciez de sua perna feminina, a languidez em seu aroma soporífico, a segurança em seu olhar de companheira - havia tudo o que eu nunca pensei existir. E seria a melhor sensação de minha vida inteira não fosse essa capacidade misteriosa que ela tem de deixar qualquer coisa mil vezes melhor do que já é. Levou a mão ao meu peito, repousando-a, fazendo carinho em mim com seus dedos, sobre minha camiseta que desejei com toda a força não mais existisse. Aquilo era um sonho, a realização de uma fantasia dos momentos de maior esperança no coração de um jovem como eu. Sensuais e femininos, seus dedos começaram a subir lentamente o meu corpo. Alcançaram a clavícula, o pescoço, o queixo... A cada etapa sempre parando por pelo menos várias carícias. Eu não parava de sorrir, não ousava abrir os olhos, estava um ser inerte entregue às sensações do momento. Só fui reagir quando ela tocou os meus lábios com o seu polegar clarinho: beijei-o levemente, fazendo biquinho, duas, três vezes, e ela continuou subindo a sua mão pelo meu rosto, dando sempre muitos carinhos a cada etapa, sendo sempre muito delicada. Abrir os olhos se tornou ainda mais impossível quando ela tocou minhas pálpebras. O mundo já não girava mais, as pessoas, os cães, os bancos e as árvores pingadas simplesmente evaporaram. Tudo o que havia era eu e ela, seus dedos, suas pernas, meu rosto, meu sorriso. Será que ela também sorria? Disso nunca saberei. Seus dedos continuaram a subir, escovando minhas sobrancelhas, acariciando minha testa, chegando, enfim, aos meus cabelos.

Aos meus cabelos.

Acordei sozinho em minha cama, com os olhos molhados e um sorriso tímido no rosto. Ah, se esse sonho tivesse sido real!...

6/10/2016

Malveira Cruz
Enviado por Malveira Cruz em 06/10/2016
Reeditado em 07/10/2016
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