PRECOGNIÇÃO DE FELIZES MORTAIS

Não brigou com APOLO, não se fez inimiga do deus bonitão, mas ninguém põe fé no que ELA profetiza. Avisando antes, espinho não machuca a flor. Chega a ser engraçado. Prática de vida! Quando o ato se realiza, assumem que ELA previu, falou, não deram a menor importância e a resposta da moça deve remontar a um audacioso DOM PEDRO I: “Tenho razão até quando não tenho razão!” Frase usada modernamente em telenovelas.

Este vencia sempre. Lenda ou não, atribui-se indiretamente a ELE a invenção da coxinha (salgadinho que na atualidade quer dizer desunião política nacional... - pejorativamente, sinônimo de ‘mauricinho’ e ‘patricinha’), fritura badalada nos bares chiques e nos pés-sujos do Norte ao Sul do país. O pequeno príncipe (letra maiúscula somente em Antoine de SAINT-EXUPERY), gênio forte, adorava coxa de frango frita, enfiava-se em excursões amorosas pelo mato, a garotada não o esperou voltar para casa e comeram tudo. Bom, teria sido por certo a imediata separação entre Brasil e Portugal. A mãe, Thereza Cristina (lembrando: Maria de Bourbon e Bragança), prevendo o que poderia acontecer, desfiou pessoalmente o peito do frango, modelou massa com farinha de trigo, ovos e sal na forma de uma coxa de galinha, espetou um osso e fritou - foi o maior sucesso! Guloso. Mais tarde, precognição da mulher, Leopoldina, e excesso do doce português ‘ovos queimados’, deu no que deu......... à beira do riacho. Grandes pitonisas!

Ora, a PRIMA da pitonisa século XX, professora primária recém-formada e ainda iludida com o “vai-ser-fácil-comigo”, achou que haveria uma longa fila de concursados na capital e, “alertada” por uma tia já lecionando em escola justamente da capital há muitos anos, inscreveu-se em outra cidade, agora escola estadual. Para quem um ônibus um tanto cheio, entre a casa e a escola de normalistas, pertinho, viagem curta, já era um drama, como pegar um trem velho e feio, pessoas desconhecidas, num rumo longínquo e desconhecido também? E pior, a cidadezinha tinha fama de muito atrasada em todos os sentidos - ter que levar de casa água mineral. Menos candidatos, aprovada, classificada em tempo não muito longo. Esperava o quê? Não era Bélgica nem Suécia! Ainda não raciocinou que racismo é anti-humano, é crime? Não se pode ter medo de alguém à toa, apenas pela cor da pele, em nosso país todo coloridinho e oficialmente livre de bobeiras como nenhum outro no mundo. Depois do trem, era um caminho de terra batida, lamaçal em tempo até de chuvisco fino. Escola nova, apenas mal acabada - observou rachaduras na cobertura por onde entravam raios de sol, futuramente chuva. Casaria dois dias depois, contou a todos sobre imaginários malfeitores no trem e nas ruas, nunca mais apareceu... Minha AMIGA filosofou: “Tenho razão até quando.........” As amigas do tempo do normal iam pouco a pouco sendo chamadas para as escolas municipais da capital (ih, até rimou). Tia iludira uma ingênua, sem vontade própria e riu depois: “Bobeira acreditar em mim. Não tem iniciativa de gente adulta?”

Outra precipitadinha fez grande despesa para plantar temperos, em moda a atividade feminina. Minha AMIGA otimista cedeu xerox de um recorte de jornal, “Faça sua horta”, para a teimosa “inovadora”. Não comprou jardineira de barro, que mantém fresco o ambiente, retangular, 15cm x 1m, ou redonda, 15cm de altura, idem de diâmetro... Terra adubada com húmus? Teve nojo. Sementes (bastaria buraco na terra de 1cm, molhar, distanciar 10cm de outra semente) muito além da validade, mais de um ano - fez um ‘buraco-salada’, tudo junto e misturado, sem nexo... ou sexo. Alimentos por acaso comprados com raiz, como cebolinha, salsa, coentro e manjericão, ficaram dias no gavetão da geladeira antes do plantio . Não separou hortelã e agrião, juntos num pote grande, raízes se danificando mutuamente. Resultado: grande prejuízo. Inventou olho-grande das vizinhas... e da conselheira “agrícola”. “Tenho razão até quando.........”

Arrumar não significa simplesmente descartar tudo - na certeza de que algo ainda nos serve e ainda proporcionará alegria, melhor guardar. Precognição certeira! Não é necessária intuição ou bola de cristal. Aposentou-se das duas escolas e agora há um excesso de roupas no armário. Está doando... Sabe que verá muita coisa distorcida - camisas de malha sem manga, camisetas de alcinha sem os enfeites de renda ou fitinhas, porque ganhar belezinhas grátis, implicar à toa e destruir é muito fácil. E como se destrói tudo, ELA foi ao Parque Nacional da Tijuca e fotografou pequena construção antiquíssima, a Estação Mãe d’água, que foi a primeira fonte de água do Rio, incluída no plano de recuperação ambiental do rio Carioca. Se nunca virar, de verdade, patrimônio histórico, no mínimo pertencerá à coleção íntima de fotos raras.

F I M