Setembro Amargo (HOPE)
Lembro-me como se fosse ontem, minha mãe me dando esse cachorrinho com tanto carinho e com o maior sorriso do mundo, meu pai não gostara muito da ideia mas acabou cedendo. A escolha do nome que foi difícil, minha irmã queria Rex porque as amigas da escola dela tinham cachorros com esse nome, minha mãe queria Leão porque “ele vai ser bravo e vai defender a casa e os donos” dizia ela. Já eu pensara em algo mais simples, que tal um sentimento? Um bom sentimento que representasse nosso futuro daqui pra frente? Veio um estalo e minha cabeça grita “ESPERANÇA!” e assim ficou decidido o destino daquele pequena criatura de olhos negros.
Quem tem um animal doméstico sabe o amor que eles têm, e o Hope não era diferente, ele era tão intenso, e dava círculos em volta de si mesmo quando via alguém se aproximar. Tão alegre, tão feliz... assim como minha vida era antes. Assim como era minha família...
Dizem que donos que tem cachorros são mais propensos a empatia, minha família é a prova viva de que isso não é verdade. Depois da chegada do meu cachorro algumas coisas mudaram... minha irmã já entrando na pré-adolescência se mostra uma garota rebelde, cheia de vontades, que se prende no quarto e não conversa com ninguém; ela se esqueceu que também passei por isso e não quer conversar só diz” te odeio!”
Minha mãe ainda administrando a floricultura, agora como chefe, passa a ter mais rugas e uma face preocupada e triste ao mesmo tempo. Meu pai já perto dos cinquenta, deu pra sair pra noitada com os amigos e só chega pela manhã.
Onde foi que tudo isso se desestruturou? Aonde foi que nessa confusão toda que se perdeu o amor?
Nesse tempo todo minhas companhias eram apenas meus livros, meus desenhos e meu irmão peludo; tão vivo! Tão cheio de energia! Tão pronto pro amanhã como eu vejo agora que nunca fui...
Olho para as fotos que estão em cima da cama, e me pergunto: ‘onde está minha família?’ Em uma das fotos estamos no parque, todos nós e Hope não quer largar a calça de papai porque caiu chocolate na calça e ele adora chocolate. Rimos muito esse dia...
Em outra estou ensinando minha irmã a andar na sua bicicleta nova e ele vêm feito louco correndo atrás junto com um pedido pra brincar. Seus olhos pareciam dizer ‘Vamos! Vamos! Não começamos a brincadeira ainda...’
Quando tudo se perdeu??
Chego da faculdade e sou surpreendida por todos em volta de alguma coisa. Meu pai nunca mais ficou em casa esse horário. Estranho. Minha irmã olha com um misto de sua recente raiva e pena para mim. Será que consigo ver seus olhos marejados? Minha mãe já com olhos inchados corre ao meu encontro e me abraça forte dizendo “Sinto muito”. Quando enfim consigo entender vejo a única esperança minha de viver ensanguentada no chão da sala. Não posso acreditar e aos berros pergunto o que aconteceu. Meu amigo ao me ver passando no ônibus para descer em casa sai em disparada ao meu encontro quando um motoqueiro o atropela.
Consigo visualizar sua costumeira (e triste) espera até eu chegar; mas como ter ou ser feliz naquela casa se ninguém foi ou tinha algum resquício de alegria durante todo aquele tempo? Não o culpo.
...feito o enterro os outros dias passam despercebidos e sem vida ou alegria.
Quem se perdeu? Olho novamente para as fotos em minha cama e vejo a alegria no rosto da minha família por causa de Hope, eu penso.
Mas e se... de repente pudéssemos fazer diferente? Pudéssemos agir diferente? Como ele agiria? Com certeza não seria desse jeito...
Percebo agora que foi preciso que ele morresse, um cachorro que mais parecia um irmão, para que nos ensinasse que a vida tem que ser vivida com alegria, com fervor. Que afinal, ainda há jeito e há tempo. Enxugo as lágrimas, saio do quarto e desço as escadas decidida a viver como ele viveria, decidida a viver com Esperança.
Hope te amo! Para sempre!