Houve uma vez um pequeno e tímido camundongo que vivia no porão de uma velha casa. Além dele, um gato, um cão e um homem também moravam lá. Todo dia, o camundongo saia do seu cantinho no porão em busca de comida e era perseguido pelo gato. Voltava correndo para sua toca, geralmente com fome.
Cansado daquela vida de tribulações e perigos, ele começou a rezar, todos os dias, para o deus dos camundongos, pedindo que ele o transformasse em um gato. E o deus dos camundongos, cansado daquela ladainha diária, o atendeu. Transformou-o em um lindo e forte felino, que por seu porte e beleza, logo tomou o lugar do antigo gato da casa.
Mas logo ele viu que vida de gato também não era fácil. Cada vez que ele saia para o quintal, eis que surgia vinha um enorme buldogue pulguento para cima dele, com seus terríveis dentes pontiagudos, prontos para estraçalhá-lo. E ele era obrigado a usar de toda sua agilidade felina para escapar das garras daquele monstro.
Cansado daquela vida de estressantes temores, ele começou a rezar para o deus dos gatos pedindo que o transformasse em um cachorro grande e forte, para que ele pudesse dar conta daquele buldogue nojento e desgraçado que não o deixava em paz.
Foi então que o deus dos gatos, de saco cheio com tantas súplicas, transformou-o em um gigantesco dogue alemão, com quase um metro de altura e cem quilos de peso. Quando o homem viu aquele mastodonte em sua casa, logo resolveu trocar o velho buldogue por ele. Mas o antigo gato que também já fora camundongo logo percebeu que vida de cachorro não era essa maravilha que ele pensava ser. Tinha que ficar o dia inteiro atento para ninguém entrar na casa, e á noite dormia mal, porque qualquer barulhinho o acordava. E como era muito grande e guloso, a comida que aquele mão- de -vaca de seu dono lhe dava diariamente não cabia nem no buraco do dente. Em consequência ele vivia com fome. E não raras vezes apanhava do dono. Era só fazer cocô ou xixi fora do lugar habitual, ou soltar algum pelinho pela sala, lá vinha aquela paulada, ou aquele pontapé nas costelas. E como cão doméstico não podia revidar, por mais forte que fosse...
O recurso foi começar a rezar para o deus dos cães para que ele o transformasse em um homem. O homem, pensava ele, era o animal que estava no topo da cadeia da evolução. Todo animal devia esperar, um dia ser um homem. Para poder mandar nos outros animais. Ter poder sobre todas as demais espécies. Não ter necessidade de fugir quando ele aparece, nem ficar abanando o rabinho, ou ronronando na perna dele para obter um carinho. Ah! Que bom se ele fosse um homem... E como o deus dos cães, que além de compressivo, também não suporta lamentações, foi logo atendendo o pedido dele. O imenso dogue alemão, que já havia sido rato e gato, acordou no dia seguinte como homem. Mas logo viu que sua vida como ser humano não ia ser muito fácil também. Para começar odiou aquele maldito despertador que o acordou ás seis horas da manhã, no melhor do sono. Depois não compreendeu bem porque tinha que tomar banho, escovar os dentes, vestir aquelas roupas quentes e amarrar no pescoço aquela gravata apertada. Ele que enquanto camundongo tinha ojeriza de ter que sair da toca, como gato abominava tomar banho e acordar cedo e como cachorro, odiava coleiras...E depois ter que passar horas num trânsito maluco, assustando-se com os barulhos das buzinas, das motoqueiros com suas motos aceleradas, com aquela fumaça no seu nariz e nos olhos, com todos aqueles caras se xingando uns outros. E depois ficar preso durante dez horas ou mais dentro de um escritório, atendendo telefones, os olhos fixos na telinha de um computador, com um cara, a toda hora, entrando na sala e perguntando se ele já fez isso, já fez aquilo, se tal coisa estava pronta...
Ah! Vida porca essa de seres humanos... Então ele pensou em rezar para o deus dos humanos para que ele o transformasse em outra coisa menos estressante, menos confusa e mais tranquila. E o deus dos humanos, que também não gosta de resmungos, lamentações e reclamações (veja-se o caso de Jó), transformou-o de novo em um camundongo.
─ Hei Deus! Reclamou o cara, agora de novo na pele de um camundongo. Não foi isso que eu pedi. Eu já fui camundongo e não gostei disso. Não tem coisa melhor para me dar, não?
Deus respondeu. ─Meu amigo, seja qual for o corpo que eu lhe der, se o seu espírito é de camundongo, camundongo você sempre será.
Naquele dia o chefe teve que mandar dedetizar o escritório inteiro porque todo mundo viu um ratinho passar correndo como um doido pelo meio das pernas dos funcionários tirando gritinhos histéricos das mulheres e palavrões impublicáveis dos homens.