entre lixeiras

Nasci em um corpo estranho, nasci sem saber o que eu era. Depois de alguns meses a verdade veio a tona. Tinha me transfigurado em um gato; mas a minha alma era humana.

Passei os primeiros meses de minha existência com a sensação de flutuar sob algo movediço, sob algo sem sentimento, sem qualquer tipo de base. Era o que podemos dizer de um gato livre. Vivia a liberdade da solidão.

Fui percebendo que era sozinho quando encontrei-me perdido entre lixeiras, e outros gatos. Um detalhe para deixar evidente: eu era o único gato preto que havia ali, o restante eram brancos.

Em todo os cantos havia um resquício de ironia, escárnio sobre o que eu era, e sobre como era. Mas isto importava? Não era melhor ir buscar algum peixe ou pedaço do que restava em alguma lixeira?

Sem entender muito sobre o que era a vida, fui de encontro a ela, e fique estupefato. Como a vida era bela "C'est vie belle". Andava sobre humanos, e carros. O dia estava me engolindo, e provando o meu sabor. Mas subitamente um carro branco subiu em cima da calçada tentando provar o meu sabor. E no fim conseguiu.