Voz

O céu parece uma festa luminosa de tantos trovões. Lembro-me de quando eu era criança, quando chovia assim, eu corria para minha cama com uma vontade imensa de gritar, mas eu não gritava, apenas me escondia atrás das cobertas, pensando que dessa forma o meu medo poderia se amenizar. Nas madrugadas, eu ia caminhando para o quarto de minha avó e me agarrava à ela feito um bicho preguiça, ela sempre dizia: "Não tenha medo, minha pequena. O céu está com raiva" e eu dizia "sinto vontade de gritar, vovó" "pois grite, Valentina. Grite de qualquer forma. Tenha a sua voz". De algum jeito eu me sentia protegida. Fechava os olhos, guardava aquelas palavras e acabava adormecendo no colo dela.

Eu cresci e os trovões ainda me atormentam, como nessa tarde. O meu medo nunca passara. Hoje eu não tenho minha vó, para eu me sentir protegida. Apenas uma garrafa de café, Arctic Monkeys tocando no fundo, uma caneta e um caderno. Não sei porquê tenho medo, algumas pessoas dizem que é lindo, realmente é. Mas me parece uma coisa assustadora.

Certa vez, eu ouvi alguém dizer que ter a noção do que se passa dentro de você nos momentos mais sombrios é horripilante. Eu acredito nisso. Talvez, eu tenha trovões dentro de mim, trovões constantes em momentos ruins que me causam medo e este me corrói. O medo de sentir. Mas os trovões são velozes, e logo somem; dentro de mim, ele se passa em câmera lenta, deixando-me fraca e triste. Eu ainda tenho a vontade de gritar, gritar para todos ouvirem, para eu ter voz, a voz de mim. E eu grito. Grito em um papel pautado, em alguns versos, numa prosa, na poesia. Escrever é bloquear os trovões em mim, se proteger de mim, da chuva nervosa que insiste em cair, é gritar. Escrever é a única razão por eu estar neste lugar. Se minha vó estivesse aqui, eu iria olhar em seus olhos aconchegantes e dizer: "eu consegui, vovó. Eu consegui ter a voz de mim".

Tacia Buganem
Enviado por Tacia Buganem em 12/09/2016
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