VIERDE QUE TE QUIERO VERDE
Não errei – imaginei GARCIA LORCA passeando no Rio de Janeiro, só isso...
Quando a vida real (duplo sentido mesmo) é desagradável, nossa cabeça procura refúgios. Casado quase à força, pouco além da idade de um pequeno príncipe, com uma espanholita que não gostou dele desde o primeiro minuto, se desde criança ELE talvez tivesse vocação para paisagista, aqui, príncipe regente já pai, o futuro “Joãozão número VI” se realizou, encantado com a exuberância da natureza... brasílica. Circulou no Rio de Janeiro por uma região de temperatura até amena e fundou em 1808 o que a princípio seria apenas um ‘jardim de aclimação’, para as agradavelmente fragrantes especiarias das... Índias Orientais”. Na memória do paladar, surgiam arroz doce, aletria, formigos (palácio aproveitava pão velho, por que não?)... Sim, mesmo fora da casa européia, impossível viver sem os doces portugueses cobertos com canela em pó de que se contava lendas. Produto afrodisíaco, possível.
Voltemos no túnel do tempo. Quem declara guerra, tem que lutar – João X Napoleão. Portugal belicamente frágil. O lugar ideal para uma fábrica de pólvora era um engenho em decadência (ou não?!) e assim um decreto de 13 de junho de 1808 ‘desapropriou’ o espaço – Real Fábrica de Pólvora da Lagoa. Em 1826, a fábrica sofreu uma explosão e foi transferida para Magé, restando as ruínas da Casa dos Pilões. Acontece que a maior parte do terreno estava sem uso e acabou virando um sementuário experimental (laboratório?) – especiarias, fruta-pão e chá. Inauguração oficial em 5 de março de 1811.
As primeiras plantas vieram trazidas do Jardim La Pamplemousse, instalado nas Ilhas Maurício, na África, 36 caixotes com sementes diversas e entre as espécies a Palma Mater, nossa palmeira imperial que viveu até 1972, atingida por um raio (plantaram no mesmo lugar uma Palma Filia) - dizem que ELE mesmo cavou a terra. A ideia de monopólio dessa espécie era queimar todos os frutos, porém escravos espertinhos (numa encarnação anterior, EU era um coitado subalterno obediente e minha AMIGA carioca era a ‘chefa mandona’ em tal tarefa...) colhiam tais frutos à noite e os vendiam discretamente, dispersando as palmeiras ao longo do país. A aléia de palmeiras na parte da frente do Jardim Botânico foi plantada somente em 1842 – em 1871, o bonde passava ali com famílias vindo ‘piquenicar’ no jardim verde. Ao início da República, houve a criação do orquidário, do bromeliário e do museu, vindo para o “JB” chafarizes e outras peças mal conservadas em outros bairros. Na década de 1920, uma parte das terras foi desapropriada para a criação do Jockey Club; ah, em 1968 um general sugeriu que dois quintos do parque fossem transformados em conjunto habitacional para população de baixa renda, ideia fracassada por manifestações populares e pela mídia.
Para a plantação de chá, vieram agricultores chineses de Macau com as sementes – 300 homens, nenhuma mulher, pode? Ah, não exatamente agricultores e sim prisioneiros que se estabeleceram no Alto da Boa Vista, vendiam as sementes e compravam ópio (de quem?) para fumar onde é hoje a... Vista Chinesa: homenagem?! (Versão de suicídio coletivo.) Outros chineses até 1850, em outras lavouras. O plantio do chá deu certo, cultura chegando a São Paulo, daí o nome de um viaduto no centro da cidade. Nossa, mas a Inglaterra ficou nervosa com a ameaça a seu monopólio e exigiu o fim do nosso plantio em 1819. Será que de fato ‘nós’ obedecemos? Fazer de conta ‘para-inglês-ver’. (Mais tarde, eles também proibiram tráfico de escravos, Brasil ‘driblou’ às ocultas... e olhem que o ‘foot-ball’ britânico ainda nem chegara aqui.) Jardim secreto até 1824, por ordem de Dom Pedro I, talvez para amar Domitila ou as (muitas) “outras” num antecipado motel verde, ao longo dos anos recebeu visitantes ilustres, como por exemplo o cientista ALBERT EINSTEIN (diz-se que literalmente beijou o chão) e a rainha ELISABETH II, do Reino Unido.
Assim, o arboreto foi crescendo, com a versão atual de dez mil exemplares da flora, distribuídos em canteiros ao ar livre e estufas, área r e m a n e s c e n t e da Mata Atlântica. “...e nela se plantando, tudo dá.” - primeiro português a nos elogiar (se com má fé, prefiro ignorar). A mais completa biblioteca de botânica do país: 32 mil volumes. Tem publicações próprias, escola de botânica, laboratório de pesquisas, jardim japonês, lago com vitórias-régias e... ninfas. Em colaboração com o Instituto Benjamim Constant, foi criado o Jardim Sensorial, para deficientes visuais, plantas selecionadas com base nas sensações a elas associadas – temperos, plantas medicinais, de texturas diversas, perfumes característicos e plantas aquáticas – tudo o que pode e deve ser tocado. E o acervo do TOM JOBIM e do arquiteto LÚCIO COSTA estão lá......... no centro cultural que tem o nome do maestro. Muita inspiração musical nasceu ali.
Além da importância científica, existe a importância histórica, e o Jardim Botânico – um dos pontos turísticos mais visitados do Rio - foi tombado em 1938 (ou1973?) pelo Iphan e considerado pela UNESCO uma das reservas da biosfera.
NOTA DO AUTOR: Mudanças de nome – Jardim da Aclimação, depois Real Horto e finalmente Jardim Botânico.
FONTES:
“Pólvora que virou semente” – revista NÓS DA ESCOLA, n. 46 / 2007 // “Dois séculos de história e beleza” – Jornal O GLOBO, Rio, 3/7/11.
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