ESCRAVO DO LAR

Falta muito para 13 de maio?

Tentei me reabilitar ao longo dessa terça-feira. Casa aconchegante e gostosa para ela. Não aguento mais castigo (o que foi que eu fiz?!) de dormir sozinho e piormente no sofá... Poucas noites que me parecem longuíssimos meses. ELA apenas apontou com o dedo e já fui levando travesseiro, lençol e um edredom......... Esta manhã, não mexi na posição dos móveis (ambientes pequenos, temos poucos para fluidez da circulação) nem pintei as paredes em cores novas. Varri a casa todinha. Arrumei na cama uma colcha artesanal, quadrados de crochê, quadrados em algodão estampado. Organizei rigorosamente a gaveta das minhas cuecas, todas agora bem dobradinhas. Espalhei essências suaves pela casa: jasmim no quarto e na sala, erva-cidreira na cozinha e eucalipto no banheiro (exagerei?). Comprei mini vasinhos com temperos verdes e enfeitei a janela ampla, vidro com grade. Limpei cuidadosamente os vidros, o fogão e o forninho elétrico. Fiz e servi café em louceiro bonito do final do século XIX, que ela herdou - uma rosa vermelha na bandeja... Sobre o sofá, coloquei uma bonequinha japonesa, quimono de tecido, e tentadores livros de entusiasmo eterno: FRANÇOISE SAGAN, outra herança - lê, sorri, torna a ler “500 vezes por ano” (palavras dela) - sente-se a própria Dominique... Bati as roupas na máquina e dobrei as secas do varal. Encomendei almoço e sobremesa por telefone, ao gosto dela... Não sei se agradei, em que agradei. Ou não e em nada? Quase desmaiei de cansaço - deitei no sofá, acordei atrasado para a faculdade noturna. Improvisei um sanduíche na padaria... da esquina. Ao meu regresso, ELA já dormira sozinha na cama grande, tadinha, cansada só de me ver trabalhando, a espera de perdão........ O que foi que eu fiz? Juro inocência - nada de réu confesso. Não maltratei, não a chamei de minha serviçal, não usei a minha ironia característica, não falei a sério que contrataria outra revisora gramatical para meus textos, não exaltei nem professoras nem louras, não usei o celular às escondidas no banheiro. É que acordei brincalhão no domingo e não falei uma única palavra com ELA o dia inteiro. À noite, expulso do quarto apenas com um gesto silencioso. Ontem, por acaso licença médica da empresa, eu tentei a mesma brincadeira: caladão... Sofá outra vez?! Inversão dos papéis. Hoje, provei que mesmo um macho pode ser... escravo do lar. Serei perdoado?

FONTE para inspiração:

“Dez dicas para uma casa feliz” e “Casa arrumada em 15 minutos” - Rio, jornal O GLOBO, 14 e 21/8/16.

FIM