Ela sabia... Seria para apanhar!
Subia, todo dia, a ladeira íngreme, com degraus desgastados e com bordas arrebentadas, estreita viela de difícil acesso ao mais alto do morro, onde estava seu barraco quase caindo de tão alterado de sua forma original. Mas era linda a vista lá de cima. Tão linda...
Lisa sorriu.
Apalpou no bolso do casaquinho limpo, mas surrado, o dinheiro do mês, fruto da roupa lavada para Dona Eulália. Era boa, Dona Eulália. Sempre vinha até a cozinha, onde a empregada a recolhia. Ali sentava um pouco, era um instante lindo. Percebia o seu perfume. Era incrível.
Poderia ficar aspirando ao odor de Dona Eulália por horas e horas. Tão bela, naquele roupão de estampa de oncinha. Como era linda, vestindo aquilo.
O cheiro do café fresco na xícara bonita, cheia de uns arabescos que nunca vira nos canecos desbeiçados lá da Favela, a delícia que era aquele pedaço de bolo fresco de fubá, jamais iria esquecer, que a cozinheira Sofia colocava, conivente de classe trabalhadora, no pratinho de sobremesa fina, borda dourada, flor cor de caramelo...
Lisa comia o prato com os olhos, ali à sua frente, para depois, bem depois, degustar o gole de café e a garfada farta de bolo que lhe enchia a boca bonita e carnuda.
Tudo cheirava gostoso em seus cheiros diferentes... Só mais gostoso era o cheiro da pilha de roupa que entregava todas as quartas feiras para Dona Eulália. Lençóis, fronhas, toalhas de banho e rosto de colorido intenso, pouca roupa pessoal, algumas blusas, transparentes, duas ou três camisas de manga longa, umas cinco de mangas curtas, raramente calcinhas de mulher.
Naquele dia Dona Eulália perguntou pelas crianças, enquanto ia conferindo as peças de roupas recém-chegadas.
Tudo certo, disse. Continuam com a avó, ele é muito violento, a senhora sabe...
Mas espere, espere, Lisa, desta vez mandei quatro calcinhas, agora lembrei. Você deve tê-las esquecido... Trará na outra quarta feira, não farão falta. Mas sabe como são as adolescentes, acabam desejando, ainda que possuam tantas, exatamente aquelas que ficaram em sua casa.
Riu um sorriso terno e entregou à Lisa o resultado do seu trabalho naquela semana. Não era muito, porém também não era pouco. Era bom trabalhar para Dona Eulália.
Estava com medo de apanhar...
Empurrou a porta que deveria ha muito tempo estar arrumada. Rangia demais.
Ele ficava em casa o dia inteiro, a semana inteira, o tempo todo. Nem ao médico ia. Não por falta de pedir.
Seria pouco, a mão de obra para arrumar a porta emperrada, apenas dar uma lixada na parte inferior para que não fizesse aquele barulho constrangedor.
A vizinha do lado, aquela mal encarada, que tinha um olho que olha a esquerda e outro para a direita, aparecia cada vez que tentava abrir a bendita porta... E o morenão do boteco da esquina se debruçava e espiava,barrigão proeminente, por cima do balcão saturado de garrafas de bebida de origens duvidosas, entre ela as que tinham cobras, pequenos lagartos e mesmo um escorpião, dentro.
“Honório da Peste” era conhecido como brabo, bem bravo, solucionando com seu facão imenso certas questões pessoais. Ou não.
Enfim dentro de casa, pensou Lisa, cansada e suada.
Porta emperrada, empurrada e tudo mais. Pés inchados, ardiam muito. Canseira sentida, do ônibus lotado, da gente se esfregando...
Estava escuro.
De novo aquele medo de apanhar.
Sempre que chegasse com dinheiro, Lisa sabia que, para criar coragem, ele teria bebido muito, lhe daria a invariável surra de tabefes sem razão de ser, apanharia o dinheiro que diria, insistentemente, ser seu e voltaria a dormir. Mais tarde, pediria desculpa, humilde, com olhos lacrimejantes e vermelhos, depois de acordar.
E também, impreterivelmente, desejaria fazer amor com Lisa, quisesse ela ou não!
Finalmente, um pouco assustada pela diferença da rotina demonstrada no assustador silêncio que fazia tanto barulho, entrou na segunda e ultima peça do barracão.
Esticado no chão, ele jazia inerte. Pela fresta, a luz iluminava seu rosto absolutamente roxo. Agarradas às suas mãos besuntadas de esperma recém-expelido, como se fossem luvas, as quatro calcinhas da menina da Dona Eulália...
Desgraçado! Tarado! Infeliz! Peste do Diabo!
***********************************************
As calcinhas, Lisa lavaria para entregar amanhã. Dona Eulália nem ficaria sabendo...
Ele? Que bom, que bom, enfim! Livrara-se do traste.
Hoje não iria apanhar. Nunca mais iria!
Os vizinhos, um a um, foram chegando.
Menos Honório da Peste e a zarolha.
Subia, todo dia, a ladeira íngreme, com degraus desgastados e com bordas arrebentadas, estreita viela de difícil acesso ao mais alto do morro, onde estava seu barraco quase caindo de tão alterado de sua forma original. Mas era linda a vista lá de cima. Tão linda...
Lisa sorriu.
Apalpou no bolso do casaquinho limpo, mas surrado, o dinheiro do mês, fruto da roupa lavada para Dona Eulália. Era boa, Dona Eulália. Sempre vinha até a cozinha, onde a empregada a recolhia. Ali sentava um pouco, era um instante lindo. Percebia o seu perfume. Era incrível.
Poderia ficar aspirando ao odor de Dona Eulália por horas e horas. Tão bela, naquele roupão de estampa de oncinha. Como era linda, vestindo aquilo.
O cheiro do café fresco na xícara bonita, cheia de uns arabescos que nunca vira nos canecos desbeiçados lá da Favela, a delícia que era aquele pedaço de bolo fresco de fubá, jamais iria esquecer, que a cozinheira Sofia colocava, conivente de classe trabalhadora, no pratinho de sobremesa fina, borda dourada, flor cor de caramelo...
Lisa comia o prato com os olhos, ali à sua frente, para depois, bem depois, degustar o gole de café e a garfada farta de bolo que lhe enchia a boca bonita e carnuda.
Tudo cheirava gostoso em seus cheiros diferentes... Só mais gostoso era o cheiro da pilha de roupa que entregava todas as quartas feiras para Dona Eulália. Lençóis, fronhas, toalhas de banho e rosto de colorido intenso, pouca roupa pessoal, algumas blusas, transparentes, duas ou três camisas de manga longa, umas cinco de mangas curtas, raramente calcinhas de mulher.
Naquele dia Dona Eulália perguntou pelas crianças, enquanto ia conferindo as peças de roupas recém-chegadas.
Tudo certo, disse. Continuam com a avó, ele é muito violento, a senhora sabe...
Mas espere, espere, Lisa, desta vez mandei quatro calcinhas, agora lembrei. Você deve tê-las esquecido... Trará na outra quarta feira, não farão falta. Mas sabe como são as adolescentes, acabam desejando, ainda que possuam tantas, exatamente aquelas que ficaram em sua casa.
Riu um sorriso terno e entregou à Lisa o resultado do seu trabalho naquela semana. Não era muito, porém também não era pouco. Era bom trabalhar para Dona Eulália.
Estava com medo de apanhar...
Empurrou a porta que deveria ha muito tempo estar arrumada. Rangia demais.
Ele ficava em casa o dia inteiro, a semana inteira, o tempo todo. Nem ao médico ia. Não por falta de pedir.
Seria pouco, a mão de obra para arrumar a porta emperrada, apenas dar uma lixada na parte inferior para que não fizesse aquele barulho constrangedor.
A vizinha do lado, aquela mal encarada, que tinha um olho que olha a esquerda e outro para a direita, aparecia cada vez que tentava abrir a bendita porta... E o morenão do boteco da esquina se debruçava e espiava,barrigão proeminente, por cima do balcão saturado de garrafas de bebida de origens duvidosas, entre ela as que tinham cobras, pequenos lagartos e mesmo um escorpião, dentro.
“Honório da Peste” era conhecido como brabo, bem bravo, solucionando com seu facão imenso certas questões pessoais. Ou não.
Enfim dentro de casa, pensou Lisa, cansada e suada.
Porta emperrada, empurrada e tudo mais. Pés inchados, ardiam muito. Canseira sentida, do ônibus lotado, da gente se esfregando...
Estava escuro.
De novo aquele medo de apanhar.
Sempre que chegasse com dinheiro, Lisa sabia que, para criar coragem, ele teria bebido muito, lhe daria a invariável surra de tabefes sem razão de ser, apanharia o dinheiro que diria, insistentemente, ser seu e voltaria a dormir. Mais tarde, pediria desculpa, humilde, com olhos lacrimejantes e vermelhos, depois de acordar.
E também, impreterivelmente, desejaria fazer amor com Lisa, quisesse ela ou não!
Finalmente, um pouco assustada pela diferença da rotina demonstrada no assustador silêncio que fazia tanto barulho, entrou na segunda e ultima peça do barracão.
Esticado no chão, ele jazia inerte. Pela fresta, a luz iluminava seu rosto absolutamente roxo. Agarradas às suas mãos besuntadas de esperma recém-expelido, como se fossem luvas, as quatro calcinhas da menina da Dona Eulália...
Desgraçado! Tarado! Infeliz! Peste do Diabo!
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As calcinhas, Lisa lavaria para entregar amanhã. Dona Eulália nem ficaria sabendo...
Ele? Que bom, que bom, enfim! Livrara-se do traste.
Hoje não iria apanhar. Nunca mais iria!
Os vizinhos, um a um, foram chegando.
Menos Honório da Peste e a zarolha.