a conta de Pompeu
Seu Santo velho e gordo de chapéu. Estava sempre sentado na frente do mercado munipal. As pernas da cadeira se entortavam pelo peso de suas banhas. Ninguém acreditava que seu santo ainda tivesse fogo. Pesado daquele jeito. Mas tinha. Seu Santo tinha o fogo das montanhas. E eu odiava isso.
- Oh, menino... Menino? Vem cá!
- Que foi seu santo...
- Sua tia tá lá?
- Acho que sim.
- Leva umas coisinhas pra ela. Aquela sacolinha ali. Entrega pelos fundos. Não deixe o marido ver não.
Eu sempre passava por lá. Era obrigado. Não tinha como ir ao armazém de seu Pompeu sem passar pelo velho. Quando chegava perto já me dava um aperto. O primeiro aperto era causado por Seu Santo. O segundo, era a conta do armazem que já estava atrasada fazia tempo. E minha tia continuava me mandando comprar fiado. Odiava aquilo. Seu Pompeu me olhava e baixava as vistas. Imagino o que pensava. Eu fazia o pedido e ele trazia as coisas com uma má vontade danada. O caminho pra chegar lá era sempre longo porque eu ia arrastando os pés de vergonha. E ainda tinha Seu santo pra me pertubar.
Ele sempre me dava uma merreca. “Isso é pra você. Uma merda que não dava pra comprar nada. Odiava o jeito ordinário dele. Cinco centavos já era cinco centavos naquela época. Comprava uma bala ou um chiclete. Eu recebia aquilo e tinha vontade de jogar na cara dele.
La ia eu com a sacola cheia de comida: batata, laranja, as vezes carne, entregar minha tia. E tinha ainda de ter o cuidado do marido dela não ver. O marido dela era um tipo barato, metido a besta. Gordo também, mas fingia não ser. Nunca me enganou. Era gordo. Tinha algumas revistinhas que ganhou numa viagem e repetia o que lia na hora do jantar. Todos os dias a mesma chatice. Pegava meu prato e saia de perto dele. Não gostava daquelas conversas sem pé nem cabeça. Desde de criança não gosto de gente sem graça.
Ficava pensando que horas que minha tia saia com seu Santo. Porque o marido estava sempre em casa lendo revistinhas e ela la fora labutando, mexendo nas coisas. Lutando pra fazer a casa a andar. Quando eu chegava com a sacolinha ela dava um sorriso, me chamava lá no quintal, perto do forno de barro. “Vem cá, menino, vem pegar um biscoitinho com café”. Lá no canto, já saindo quase pela cerca, encostava perto e perguntava. “o que ele disse?” eu falava que disse nada. Só deu a sacola. “Mas teve algum gesto?”. Até hoje não entendi essa pergunta. Como ia saber o que ele falava com gestos. Pra mim, era só um velho encebado que mandava uma sacola. Aquilo não encaixava. Ela era até bonita. Tinha carne e usava uns vestidos que destacava suas pernas e deixava a bunda estufada. Algumas vezes reparei. Quando andava a bunda tremia. Era bom de ver. Nova ainda, toda cuidada. E Seu santo me dava quase medo e aquela testa dele oleosa e bochechas vermelhas. Credo! Na verdade, meu maior medo era o marido saber que eu participava daquilo. Nunca gostei dele, mas ele era grande e eu não achava certo.
Teve uma vez que passando perto da praça seu Santo me chamou. Gritou de longe. Como não ouvi, veio se arrastando até me alcançar. Me deu um bilhete pra entregar pra ela. Fez eu jurar que não leria. Entregaria escondido como de costume. Claro que li. Meu coração batia forte enquanto fazia isso. Também não achava certo ler assim as coisas dos outros. Mas era um bilhete de amor. Não podia deixar de ver. “Minha linda Pombinha. Estou te esperando embaixo da ponte velha. Encontro você atrás das moitas de mamona. Vou estar por lá as quatro horas.”
Com essa frase, esse bilhete, nem sei que nome dou a isso, acho que grande parte da esperança que tinha no amor morreu. Fiquei pensando um velho daquele, gordo esperando minha tia atras das mamoneiras. Depois que li, dobrei exatamente como estava. Entreguei pra ela como de costume perto do forno. Leu e depois me chamou de novo lá. Queria saber se eu tinha lido. Eu disse que não. Sabia que estava com vergonha. Jurei que não. No fim acreditou. Senti no seu olhar o alivio. No dia seguinte. La estava ela, toda perfumada com uma trouxa de roupa na cabeça. O marido na sala lendo revistinhas. Olhei pra ele e senti dó. Lendo revista e a mulher perfumando indo pra mamoneiras. Gritou de lá da cozinha. “Carlinhos, o almoço da pronto. Na hora que quiser comer, é só esquentar.” “Ta bom, meu amorzinho”. Comecei a rir. Ela me olhou e perguntou com os olhos o que era. Eu disse que não era nada. Só estava lembrando de uma coisa. Saiu
Pelas portas do fundo e rumou em direção ao rio. “Tio, a revista ta boa? “ veio como uma maldade. olhou contente pelo interesse. Sai pra rua.
Quando voltei já estava tarde. Já era noitinha, o cheiro do jantar estava na casa inteira. Minha tia em casa cantando e com um sorriso celeste no rosto.
- Menino, onde você estava? Fiquei te procurando um tempão. Vai agora. Ainda da tempo. Vai pagar Seu Pompeu. E fala pra ele que desculpe pela demora.