PORCOS E DEMÔNIOS
Quatro homens conduziam uma grande quantidade de porcos para um monte onde havia pastagem nas proximidades da cidade dos gerasenos. Os quatro porqueiros esperavam fazer bons negócios na cidade. Por essa razão traziam cerca de mil e novecentos porcos para vender nos açougues de Gerasa. Os geragenos apreciavam muito a carne suína. Mais do que qualquer outro tipo de carne. Enquanto nas cidades vizinhas, como a Judeia e a Galileia havia proibição por lei, de comer carne de porco, em Gerasa era praticamente o prato predileto da população.
Os porqueiros, antes de descer o monte em direção à cidade, fizeram uma pequena pausa para descanso. Beberam um pouco de vinho e comeram pão. Os porcos fuçavam um extenso campo e comiam raízes com voracidade. Todos estavam gordos e bem cuidados. De repente um dos porqueiros falou aos outros três amigos
- Ei, olhem, está acontecendo alguma coisa lá adiante; lá perto dos porcos.
- Que está havendo, homem? Perguntou um dos seus ouvintes.
- Não sei, mas aquele maluco da cidade está conversando com um homem vestido como um judeu. Quem iria perder tempo conversando com um maluco desses? Será que esse forasteiro não sabe que pode ser atacado e até morto por esse lunático? Vou avisa-lo do perigo que está correndo.
- Eu irei com você – disse outro dos seus companheiros
- Ei… ei, deixem isso pra lá. Não é da nossa conta – reprovou o mais velho dos quatro homens e aparentemente o mais sensato deles.
Apesar da advertência, os dois homens foram. Ficaram à espreita, mas ouviram em silêncio todo estranho diálogo que acontecia entre o lunático e o judeu. Ficaram aterrados ao ouvir a voz do homem que se dirigia ao judeu. Da garganta do estranho não procediam uma só voz, mas várias vozes que se atropelavam horrivelmente. Por mais esquisito que parecesse, o judeu conseguia entender o que dizia o outro. Numa última fala entre eles o lunático apontou em direção aos porcos que estavam próximos.
De repente os porcos todos soltaram horríveis grunhidos, tão fora do comum quanto as vozes infernais do lunático. Mas o pior ainda estava por vim. Os porcos correram desenfreadamente em direção a um despenhadeiro que dava para o mar. Sem nenhuma hesitação, se lançaram despenhadeiro abaixo. Ás dezenas, ás centenas, uns após os outros. Uns caiam sobre as rochas à beira do despenhadeiro, outros, sobre as águas turvas do mar. Os porqueiros, custaram acreditar no que seus olhos viam. Quando se deram conta do que estava acontecendo, tentaram salvar alguns correndo atrás dos que estavam por trás. Um dos porqueiros conseguiu segurar um dos porcos, o animal se agitou de tal forma em suas mãos que ele teve que soltá-lo, assim que se viu livre o porco se jogou no mar. Outro ainda, segurou firmemente mais um dos animais, porém o porco virou-se para ele com voz assombrosa disse: Solte-me, maldito!
Nunca antes, aqueles homens tiveram um dia tão excepcional quanto aquele.
Os porqueiros, assustadíssimos e sem saber o que fazer, olham para o judeu intentando responsabiliza-lo do enorme prejuízo que estavam sofrendo, mas lhes fugia a coragem, pois temiam-no. Viram do que foi capaz de fazer com quase dois mil porcos. Então resolveram unanimemente descer à cidade e contar a todos o que havia presenciado e o motivo porque iriam ficar sem comer carne de porco por um bom tempo. Encontraram alguns homens na praça de entrada da cidade e contaram tudo o que viram. Foram aos comerciantes e disseram.
- Não terão carne de porco esses tempos. Um judeu exorcista tirou os demônios do lunático dos sepulcros e estes entraram nos nossos porcos e caíram no mar e se afogaram. Como faremos agora?
- Onde eles estão? - quis saber o comerciante.
- Deixamo-los no monte.
- Vamos até lá! Mas levemos mais pessoas conosco.
E foram. Ficar sem sua suculenta carne de suíno? Nem pensar. Quem aquele estrangeiro pensava ser? Se formou uma grande multidão. Praticamente toda a cidade estava decidida a cobrar satisfação ao Judeu.
- Vamos obrigá-los a pagar cada centavo aos porqueiros porque fez que tivessem tamanho prejuízo, e uma indenização a todos na cidade que ficarão sem carne de porco.
A multidão foi ao encontro do judeu enfurecida. Os porqueiros iam a frente de todos. O judeu estava na entrada da cidade sentado ao lado de um pequeno grupo de pessoas que o ouviam com muita atenção. Entre eles um que parecia vislumbrar um anjo enquanto ouvia as palavras do judeu. Seus olhos brilhavam e não disfarçavam o regozijo interior que sentia por tais palavras. A multidão quando chegou o reconheceu. Apesar da mudança que se operou no jovem, todos conseguiram distinguir que aquele rapaz não era outro senão o homem que a anos assombrava a cidade inteira, andando nu pelas ruas, atacando crianças, adultos, velhos; se escondendo nos sepulcros soltando gritos aterrorizantes, quando tentaram prendê-lo algumas vezes ele com uma força assombrosa, quebrava as correntes e cordas; só dava algum sossego à cidade quando fugia para o deserto. Depois retornava e começava tudo outra vez. Era ele ali junto ao judeu, devidamente vestido e com cabelos e barba aparados; sua aparência era serena e tranquila, em nada lembrando a face feroz e aterradora de outrora. Em vista daquele fenômeno, todo o povo parou calado. Todos ficaram tomados de terror. Não conseguiam acreditar que alguém no estado em que se encontrava aquele homem, pudesse voltar a ter uma vida normal outra vez em sociedade. Eles ouviram-no falar normal e corretamente, não era mais os grunhidos e as palavras dissonantes e os impropérios raivosos. Sua voz era calma e pausada. Entretanto, parecia que agora ele causava mais espanto e medo ao povo do que outrora. E quando souberam mais detalhes de como ocorreu a libertação do jovem geraseno, mais o medo se apoderou deles. Entrementes, o rapaz reconheceu alguns dentre os homens e mulheres do povo e foi abraça-los. Todos ficaram constrangidos e em suspense. Muito mais pessoas chegavam das circunvizinhanças para saber que novidade era aquela. Muitos queriam conhecer o judeu e o ex-endemoninhado. Os porqueiros se levantaram após perceber que ninguém mais estava se importando com a questão deles.
- E nós? Como que nós ficaremos nessa história? - quiseram saber – o estrangeiro não vai pagar nosso prejuízo?
Ninguém lhes dava ouvidos.
- Pois bem – disse o mais velho dos porqueiros – nunca mais poremos os pés nesta maldita cidade. Se quiserem carne de porco terão que atravessar toda a região de Decápolis. Vamos companheiros, nos retiremos desse lugar infeliz. No meio do vozerio, das discussões, das trocas de ideias, foi-se espalhando o que disseram os porqueiros. Então caíram em si. Despertaram do torpor causado pelo incrível evento daquela manhã. Tinham que evitar que o comércio deles fossem à bancarrota. Não era por apreciarem a boa carne suína, mas porque também esta havia se tornado base da economia da cidade. Formou-se um pequeno conselho e decidiu-se pela expulsão do judeu.
- Mas ele parece ser um homem de bem – objetaram alguns.
- Mas isso não lhe dá o direito de prejudicar nossos negócios – replicaram outros.
- Mas se um homem tem o poder para fazer o que ele fez, não seria isso algum presságio divino.
- Nós já estamos fartos desses mágicos e feiticeiros; não precisamos disso. Precisamos salvar nosso comércio da falência. Além do mais esse homem só fez essa coisa toda porque é judeu e odeia porcos. Que mal os animais lhes fizeram, afinal? Se eles não se servem de suínos, por que se importar com quem deles se servem? Eles dizem que somos amaldiçoados por consumirmos carne suína, mas quem de nós morreu por consumi-la? E olhem como nossa cidade está próspera por causa do comércio de porcos!
Aquele discurso convenceu os indecisos e a decisão unânime do grupo foi pela expulsão do judeu exorcista, da cidade.
Não foi difícil encontrá-lo. Ele havia se hospedado na casa do jovem que estava endemoninhado. Eles explicaram a ambos a situação e mesmo sob protesto do ex-endemoninhado uma pequena comitiva acompanhou o judeu até o cais para que tomasse o barco que o conduziria para fora da cidade. O jovem ex-endemoninhado o acompanhou.
- Deixe-me ir com o Senhor, mestre – disse.
- Melhor será que fiques. Três dias fiquei convosco e isso é o suficiente. Conte à sua família tudo o que Deus operou em sua vida. Eu e o Pai sempre estaremos convosco.
Então o jovem voltou para a sua casa. Seu testemunho e tudo o que aprendera com Jesus converteu multidões em Decápolis e circunvizinhança.
A alguns quilômetros da cidade de Gerasa, os quatro porqueiros seguiam caminho em direção a Peréia. Iam confabulando entre si planos para um novo contrabando de porcos, agora que perderam o comércio de Gerasa. Foi então que perceberam a suas costas, uns homens que os seguiam. A princípio pensou serem salteadores, pois não eram raros naquela região. Mas depois que se aproximaram um pouco mais viram que se tratava de gente da cidade que haviam abandonado poucos dias.
- Ei amigos, esperem. Trago boas notícias!
Os porqueiros ficaram desconfiados, mas pararam para escutar a novas.
- Nós nos reunimos na cidade e resolvemos lhes propor que voltem a nos trazer mais porcos.
- Isso nunca! Esqueçam!
- Esperem, esperem – disse um que parecia ser o chefe da comitiva. - Não precisa mais se preocupar com o judeu; ele se foi da cidade e também o rapaz maluco que ele curou. Vamos! Vocês precisam nos trazer novos porcos.
- Como se não nos sobrou nenhum dinheiro?
Então o homem lhes exibiu uma grande soma em dinheiro em vários saquiteis.
- Tomem – disse – Nós fizemos uma coleta com todos os cidadãos e conseguimos essa quantia para cobrir o prejuízo que tiveram e pagar antecipado a próxima remessa.