VIDA ESCRAVA
 
Em um pacato povoado do meio rural rio-grandense, viviam um casal e seus onze filhos. A mulher trabalhava do nascer do sol ao anoitecer.
 
Rosa conheceu Alfredo aos dezesseis anos, num baile, no Clube Primavera. Dançaram várias “marcas”. Outros encontros ocorreram em quermesses da igreja, aos domingos, os quais deram início ao namoro. Seus pais, além de a considerarem muito jovem para casar-se, não aprovavam as maneiras do rapaz, que era possessivo e a tratava com rudeza.
Apaixonada, Rosa acreditava que Alfredo mudaria após o casamento. Propuseram-lhe oferecer aos convidados um almoço o que ele não aceitou.
– Não tem porquê encher barriga dos outros.
 
No altar, demonstrou impaciência frente ao atraso da noiva. Recebeu os cumprimentos mau humorado e logo a convidou para ir embora.
 
Alfredo, meses depois, passou a ser bastante grotesco e super autoritário.
– Rosa, traz o meu chinelo e um copo da água fresquinha. Estou cansado e com sede.
– Marido, o balde está na mesa. Estou atendendo os meninos.
– Estou mandando. Apressa. Não gosto de esperar. Deixa estes chorões aí.
 
A mulher afasta-se dos filhos e dirige-se à cozinha. Pega a água e alcança ao esposo, que derruba o copo com um tapa. A seguir, diz:
– Perdi a vontade. Seca esta porcaria.
Xingando, sai porta fora.
 
Rosa, após vestir os pequenos, amassa o pão e prepara a comida. Durante o jantar, Alfredo reclama o tempo todo.
– O que não está salgado, está sem sal. Quando vai aprender a fazer bem feito as coisas? A culpa é da tua mãe que não soube criar as filhas. Ainda bem que só tenho machos.
 
As crianças, quando próximas ao pai, demonstram medo e não falam uma palavra sequer. Os mais velhos, por perceberem a tristeza da mãe, sempre que possível a ajudam.
 
A rotina de Rosa é bastante exaustiva. Além de cuidar dos afazeres da casa e dos meninos, vai à fonte lavar roupas diariamente e ao poço pegar água, duas vezes ao dia.
 
Numa manhã, ao jogar o balde no poço, viu-se refletida na água. A imagem a chocou: uma pessoa infeliz, envelhecida e sem forças para continuar a enfrentar o seu carrasco. Lembrou-se de quando amamentava Joãozinho, o primeiro filho, com quatro meses; e, Alfredo, ao retornar do campo, insistia que fosse preparar o jantar. Nervosa, pediu que aguardasse um pouquinho. Ele, furioso, arrancou-lhe o bebê dos braços e lhe deu umas palmadas. Em doze anos de casados, nunca demonstrara carinho e respeito por ela e pelos filhos. Neste momento, toma uma decisão.
 
Ao entardecer, quando Alfredo retorna da lavoura, chama a esposa para que lhe tire as botas e leve água.
– Criatura, a cada dia está mais devagar. Apressa.
 
Como Rosa não o atendeu, gritou aos filhos:
– Onde foi a mãe de vocês? Já avisei que ela deve estar aqui quando volto do trabalho. Nada de sair pelos vizinhos. Lugar de mulher minha é na cozinha. Vão avisar que estou em casa.
 
Depois de um tempo, as crianças retornam dizendo que a mãe não está nas vizinhas e, segundo elas, nem fora à fonte naquela tarde.
 
– Corram na tua avó. Como não pensei nisso antes. Com certeza, foi chorar no ombro da mamãe. Não reconhece o que faço. Leva uma vida boa, mas só sabe reclamar.
 
Com sede, e irritado porque a mulher e os filhos estavam demorando, dirigiu-se ao poço. Ao puxar o balde, um chinelo de Rosa boiava neste. 
Ilda Maria Costa Brasil
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 29/08/2016
Código do texto: T5743945
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.