vida

Uma manhã de sábado como outra qualquer, marido e filha saíram, vão almoçar na casa da avó, acordei mais cedo do que do costume, tudo pronto pra mais um fim de semana de trabalho na sorveteria, freezers lotados, já não era mais a mesma, ficava feliz que todos saíram pra abrir o site de namoro e ver se o CAP me deixou alguma mensagem, o coração batia acelerado como uma adolescente no primeiro encontro na saída da escola, me enviou uma foto sentado numa mesa gargalhando com um copo de cerveja na mão.

Que decepção!

Pensei em excluir mas olhando outras fotos e o teor romântico das mensagens, que para ele eram bobagens, para mim novidade, continuei no universo da fantasia, desesperada pra encontrar um motivo pra não continuar naquela vida monótona com o futuro batendo a minha porta mostrando uma senhora desdentada, varizenta, histérica sem história, sombra de um machista, uma vida doentia, violência psicológica, exploração , esforço desvalorizado, murro em ponta de faca, não havia mais motivo para essa história, preciso voar, agora eu posso, minha filha cresceu, eu quero desesperadamente algo,

O que? Amor próprio talvez? Sucesso pessoal...vou descobrir

É hora de deixar a razão de lado deixar o instinto falar, liberar a mulher escondida, liberar a libido, desfrutar da vida, gozar sem medo, reaprender ser feliz, se reconquistar, olhar para si.

Uma mensagem diz que virá ao estado, o coração quase solto pela boca, totalmente excitada desliga o computador e volta a realidade, parcialmente pois não pensa em outra coisa, medo e excitação, um desejo imenso de encontrar alguém, desejos escondidos a tempos se afloram. Como uma donzela num castelo que acabou de receber uma mensagem pelo pombo correio avisando que será salva do dragão.

Abro as portas do comercio, entre um cliente e outro, uma conversa e outra o fim de semana passa, vou ao banco, pago contas, o marido no sofá jogado assistindo tv e eu louca para ver o computador uma nova mensagem, evito conversas,com certeza acabam em discussão, cobranças, sinto como alguém que já morreu e o espírito não deixou a casa, uma voz insiste na minha cabeça, é hora de partir, vá se procurar.

A imagem da Bertoleza do personagem de o cortiço de Aloisio de Azevedo não saia da minha cabeça, exatamente ela, me identificava, não estava com a intenção de cravar uma faca no peito e deixar livre o João Romão, mas com muita vontade de fugir, ser feliz, aprender, excluir os medos, evoluir. Queria ser feliz e que ele fosse também.

Mais um fim de semana chegando, por conta de uma discussão banal, peguei o celular da minha filha e sai, havia passado o número para o príncipe e ficava me morrendo de medo do telefone tocar e o marido atender, medo de confusão, ele era passional e achava nossa vida sem sexo, sem cor, dialogo, normal, ordem natural, vamos envelhecer juntos rabugentos e infelizes.

Eu já estava feia e velha já não arrumava mais nada. Eu precisava pagar para ver, não posso acabar assim, minha vela está pequena eu sei, já queimou mais que a metade, eu pensava, tenho que aproveitar a chama que me resta.

Cheguei na casa da minha irmã o telefone tocou, era o príncipe, chovia horrores, marquei um encontro, achei que ele não ia, a chuva, a distancia, mas ele foi, no barzinho, batata, cerveja, o homem de bermuda jeans, camisa polo branca se materializa na minha frente,

Um deus! Já era agnóstica, mas ainda acreditava na possibilidade de anjos, fadas e um deus.

Sexta feira do dia D, no sábado peguei minhas coisas pessoais, todas minhas fotos e parti sem olhar para traz, acharam que era um pit, TPM e logo voltaria atrás, mas estava determinada, beijei um príncipe, acordei, tenho que ir.

No primeiro encontro um apartamento sem muita mobília fiz amor com aquele desconhecido como nunca tinha feito na minha vida, desconhecia sexo oral, tudo era novidade, deixei o instinto me levar, me dei ao luxo da paixão avassaladora, corpo ardente, segredo, descoberta, lábios ágeis, fogo, desejo, fantasia, loucura, deixei desvendar os mistérios do meu corpo, mãos inquietas, encontro das carícias mais ousadas, ritmo gostoso, liberdade, aventura, minhas asas começavam a crescer novamente, o medo já não fazia parte da minha vida.

O moço partiu, descapitalizada, hostilizada, mulher desmiolada que deixa um casamento de anos por nada, a filha vem morar comigo, percebi que ela não estava preparada como eu imaginava, o marido percebendo que não tinha mais volta não facilita complicava no que podia, decido pelo sucesso, pela caminhada, me seguro na resiliência e sigo Minha vida , minha história tenho muito a escrever, ateia e com a razão no controle resolvi aproveitar essa filosofia dos deuses e transformar o príncipe em Zeus, ele nunca aparecia mesmo, só mandava mensagens, não podia falar dos meus planos menos ainda dos desencantos com ninguém próximo, tinha que ser forte, foi um exercício incrível que me fez entender como funciona o cérebro do religioso, imaginava o CAP no Olimpo, seu sorriso, anjas lindas a sua volta, escolhi Zeus exatamente por ser conhecido por suas aventuras eróticas devia fazer amor bem como o CAP fez, construir assim um amigo imaginário, um amor imaginário pra recorrer, desabar quando necessário e isso me ajudou muito, quando a coisa apertava, em forma de poesia ou texto enviava ao meu Zeus , era minha terapia, válvula de escape, ancora, meu Norte. Minha filha dependia de mim e eu não podia fracassar, ela estava caminhando na profissão, engatinhando na fase adulta, tinha que manter a estrutura ou 20 anos de trabalho bem feito corria o risco de estagnar ou ruir.

consegui voltar para mercado de trabalho, conquistei amigos, namoros, evolui, me reconstrui, percebi que minha vela não queimou nem a metade como eu imaginava, muito a conquistar, muita chama pra queimar, Zeus se mostrou um homem comum, desse bobos que acham que toda mulher precisa deles pra pagar a conta, vai aparecer fazendo uma cena qualquer, se recusou a me conhecer e nem permitiu eu conhece-lo, mas respeito mesmo assim, desejo que seja feliz, abriu as portas do meu castelo assombrado, me deu vida e eu serei sempre grata.

Hoje aqui diante dessa natureza exuberante, tranquila, reconstruída cheia de planos, resolvi escrever essa história, nem Bertoleza, nem desdentada, independente, realizada, bem resolvida, produtiva, sempre haverá metas e plano, enquanto houver lucidez. Hoje só conheço uma idade, viva ou morta, o resto é só formalidade. foi muito importante o CAP mais ainda minha coragem e ousadia sem elas seria eu nesse universo mais um túmulo humano como tantos, vítima de si mesma e um João Romão.