Escolha

Luísa era uma moça encantadora. Amava os livros, os filmes, a música, os animais, os verdes,as águas e principalmente as pessoas. Além de viajar.

Numa de suas viagens conheceu um homem. Dançaram juntos em uma linda noite enluarada. E também conversaram e descobriram grandes afinidades intelectuais e espirituais. Parecia ser o início do mais sublime amor.

Paulo era um músico brilhante. Mas nem sempre foi. Durante muito tempo, apesar de todo o apoio da abastada família, não conseguiu ultrapassar a mediocridade artística. Os instrumentistas mais talentosos e os mestres musicais com os melhores métodos de ensino não conseguiram fazer com que o canhestro rapaz tocasse com engenho e arte. Ele permaneceu entregue à frustração até o dia em que teve um encontro inesperado.

_Quem é você que invade meu quarto?

_Sou o bode expiatório da religião. E também aquele que realiza desejos de mortais. Não sem exigir o justo pagamento por meus serviços, naturalmente.

_Meu Deus, você é...

_Sou tua única esperança. Posso obter êxito na empreitada em que os maiores entendedores de música falharam. Farei com que sejas o maior instrumentista que já existiu. Em troca levarei o que mais amas, em momento que me for mais oportuno. Sei que dúvidas, entretanto ordeno que te sentes ao piano e toque.

Paulo obedeceu e jamais, nem no céu, nem na terra, algo ou alguém tocou com tamanha maestria, sentimento, rigor e graciosidade. Parecia que um deus da música havia encarnado num corpo de um artista mediano.

Muitos aplausos e reconhecimentos depois, Paulo encontrou Luísa na cidade em que participava de um festival musical.

A moça era linda e estar ao lado era a experiência mais agradável que pode existir. Beijaram-se e ele sentiu que adentrava o Paraíso. Trocaram telefones e despediram-se ansiosos por novos encontros.

Regressando ao hotel, Paulo encontrou o credor disposto a cobrar a dívida.

_Você disse que levaria o que mais amo. E o que mais amo é tocar. Significa que perderei meu talento?

_Não, pois desde esta noite passaste a amar mais a Luísa do que tua arte. Eu a levarei comigo, a menos que renuncies ao teu talento. Nesse caso não a levarei para minha mansão infernal e serás feliz no amor, porém sem talento e sem glória.

Paulo passou a meditar, angustiado. O que escolher? O dulcíssimo amor ou a aclamação nos palcos? Seus dedos realizando os sonhos dos compositores ou acariciando os cabelos da amada? Amar e ser amado por uma mulher ou ser adorado por multidões anônimas? Ouvir estrelas ou ouvir a si mesmo triunfando musicalmente?Os delicados instantes da relação amorosa ou o dinheiro e o glamour de um artista consagrado? Pensou, pensou, pensou, até que se decidiu, não sem se sentir mortalmente ferido.

_Leve-a. Não abdicarei de minha arte.

_Sábia escolha. O mundo não é dos que têm coração, mas dos que sabem conquistar corações.

Na noite seguinte, Paulo fez uma apresentação que foi assim descrita por um respeitado crítico : "...uma performance perfeita tecnicamente, porém sem alma. Parece que o talentosíssimo instrumentista perdeu algo muito importante. "