Feitiço infernal
Para aqueles homens a natureza parecia ter enlouquecido. Durante milhares de anos a vida tinha permanecido inalterada naquele canto remoto do mundo. Mas agora tudo estava diferente. Os primeiros dias foram extremamente quentes. Depois a temperatura começou a cair e o céu começou a ficar cada vez mais escuro. Enquanto isso, os tremores de terra foram ficando mais frequentes, e grandes ondas passaram a castigar o litoral da ilha. Depois de algumas semanas o medo começou a tomar conta da tribo, e o xamã anunciou uma reunião. No dia marcado os guerreiros se reuniram na casa dos espíritos, e ao cair da noite iniciaram o ritual de culto aos ancestrais. A bebida cerimonial foi passada de mão em mão, enquanto os tambores acompanhavam o cântico sagrado. Lentamente os homens foram entrando numa espécie de transe, e quando os tambores silenciaram o xamã começou a falar, num tom de voz que demonstrava autoridade. Ele era o líder espiritual daquele povo, o representante do Grande Espírito, o elo de ligação com os mundos invisíveis, respeitado por todos como o guardião dos segredos do mundo dos vivos e do mundo dos mortos.
Pronunciando vagarosamente as palavras, ele começou a contar o que tinha visto. Durante vários dias, sua consciência deixara o seu corpo, e seu espírito visitara lugares distantes. Tinha vagado por cidades devastadas, contemplando um cenário indescritível: milhões de homens e animais mortos, enquanto as forças da natureza explodiam livremente em terremotos, vulcões e tempestades devastadoras. Que feitiço infernal seria aquele, capaz de semear a morte em toda a parte ? - perguntava-se, tomado por um sentimento de tristeza e perplexidade. Era como se uma força poderosa e invisível impregnasse o ar, levando consigo a doença e a morte. Por onde quer que o seu espírito passasse, não se via nenhum sinal de vida. Somente a destruição e o silêncio, como se o mundo inteiro tivesse se transformado em uma imensa necrópole. Depois de visitar muitos países, ele encontrou alguém, não um ser humano como os outros, mas um ser imaterial, que irradiava uma grande luz e tinha uma vibração de intensa bondade - um enviado do Grande Espírito, um guardião dos mistérios da eternidade. Após saudá-lo, o ser luminoso começou a falar, deixando transparecer a serenidade, mas também um certo pesar em sua mensagem. Disse que uma grande catástrofe tinha se abatido sobre a Terra. Que os homens tinham perdido o controle sobre si mesmos, criando armas extraordinárias que provocaram a maior devastação já vista desde o início dos tempos. Aquele enviado dos céus sabia que seria difícil para aqueles homens primitivos compreender todos os detalhes do que tinha acontecido. Como explicar àquelas mentes simples que o Planeta tinha sido devastado por um holocausto nuclear ? Como poderiam entender expressões como inverno nuclear, nuvens radioativas ou alterações climáticas ? Ele disse que uma nova era estava começando, em que os simples assumiriam o controle do mundo e teriam a oportunidade de recomeçar, de reconstruir as bases da civilização com um grau maior de segurança e sabedoria do que os homens que os tinham precedido. Apesar das consequências dos atos cometidos, a Humanidade tinha ganhado a chance valiosa de renascer e retomar a sua caminhada ascensional. Com o tempo, a vida daquele povo passaria por grandes mudanças, importantes representantes do mundo invisível renasceriam entre os homens trazendo grandes revelações, guiando-os por novos caminhos que ainda não tinham condição de compreender.
O representante do Grande Espírito falou durante muito tempo, transmitindo informações que mesmo ele, o líder espiritual daquele povo, não conseguiria entender completamente. Durante toda a noite ele se esforçou para narrar com o máximo de exatidão possível o que tinha aprendido, enquanto os guerreiros o ouviam com respeito. Quando os primeiros raios de sol surgiram no horizonte, a reunião foi encerrada, e todos voltaram para a aldeia, para compartilhar com as suas famílias o que o mundo invisível lhes havia transmitido.
A partir daquele dia, um forte sentimento de esperança e responsabilidade passou a marcar a vida daquele povo, em cujos ombros fora depositada a missão de reerguer a civilização, garantindo que o mundo continuasse a existir e que as novas gerações prosseguissem em sua caminhada, cultivando as diretrizes da paz e da sabedoria.