UM POETA NA FEIRA DO LIVRO
Feira do livro transbordando de gente e livros, mais livros do que gente. Editoras, editores, escritores(as), poetas, professores, alunos, crianças, pais, mães, do mais humilde ao mais abastado, pavilhões nacionais, internacionais, infantil, juvenil, adulto, terceira idade, feira para todas as idades. Em frente ao pavilhão de autógrafos, invisível dos leitores e das editoras, estava um homem de meia idade, não calvo, mas bem apessoado. Ele tinha um objetivo na vida. Publicar um livro de poesias. Em casa, depois de muito pensar na decisão que pretendera tomar, sem dúvidas, apanhou seu original e as centenas de cópias do livro, um bloco pautado, duas canetas esferográficas e saiu com rumo definido. A feira do livro.
De todos os lugares possíveis para pôr em pratica o que planejara, escolheu permanecer ali, entre o pavilhão de autógrafos e a banca que comercializava os livros que seriam autografados. Abriu a mesinha e o banquinho desmontável, espalhou as cópias e esperou com ansiedade que as pessoas adquirissem algum livro seu. Colou na parede um cartaz em que se lia: POESIA POR UM REAL.
As pessoas passavam, olhavam, mas não compravam. Alguns comentavam, empinavam os narizes e seguiam sem se abalar. Eram apenas comentários maldosos pensava ele. Existiria, com certeza, naquele lugar, pessoas que eram românticas e apaixonadas, que buscavam o livro certo que mudaria suas vidas. E, alem do mais, esperava um mínimo de consideração deles para com a sua arte. Fizera cursos e oficinas com os mais renomados poetas da atualidade e lera mil livros sobre o assunto. Mas ainda era cedo, pensou. As pessoas românticas e sensatas costumam antes de comprar um livro, percorrer todas as bancas.
Enquanto esperava, analisou as pessoas que passavam na feira. Constatou tristemente que ninguém compraria seu livro. Estava em desvantagem em relação aos milhares de livros expostos nas bancas. O seu nem era um livro. E sendo uma feira do livro, as pessoas queriam livros e não palavras digitadas em folhas brancas. Não desistiria facilmente do seu intento poético.
Um casal passou, leu o cartaz e parou. A moça sorriu, o rapaz não achou a idéia boa, mas consentiu em perder um minuto para satisfazer a curiosidade da sua amada. A moça perguntou se ele não poderia escrever uma poesia para ela. Qualquer uma, qualquer coisa, que fosse bem romântica, que falasse do amor que sentia e que tivesse flores azuis, beijos e abraços.
O poeta olhou para os olhos da moça e viu a chama da paixão ardendo em seu coração. Olhou os olhos do rapaz e viu que eles estavam opacos e distantes, neles não havia paixão, apenas desejo.
Aquela poesia não o satisfez. Achou –a incompleta, insipiente, imatura, se fosse sua a teria rasgado. Mas o quer fazer naquela hora. Não havia o que fazer. Entregou a folha rabiscada para a moça. Ela leu e disse nunca ter lido poema tão lindo e tão profundo. Perguntou quanto era. Ele não sabia o que dizer. Fora pego de surpresa. O rapaz que estava com presa, tirou da carteira Um Real e entregou ao poeta. Pagaram e sumiram no meio da multidão.
Uma senhora que havia assistido a tudo, também lhe pediu um poema. Disse que amava e não era correspondida. Sofria com o descaso do homem que amava, que sua vida era chorar e sofrer.
Não era aquilo que tinha planejado para sua vida. Queria ser reconhecido em seus livros, queria publicar sua obra, não se considerava um poeta de verdade, achava que um poeta não falava com as pessoas, que eram incomunicáveis e inatingíveis.
De repente, depois de ter escrito vários poemas se viu cercado de seguranças da feira e policiais. Acreditou que seria preso. Agarrou seus papeis e saiu em disparada. No meio da fuga, perdeu todos os seus textos, que eram recolhidos pelas pessoas que sem saber do que se tratava, liam os poemas. Na certa acreditavam que era alguma atividade da feira. O infeliz correu e cansado se deixou prender. Os seguranças mandaram que ele os seguisse. Agradeceu a Deus que não fora algemado. Talvez não quisessem constrangê-lo diante de todos. Quando percebeu estava no pavilhão de autógrafos. Então compreendeu o fim que teria. Seria desmascarado diante daquele povo todo.
Na verdade não era um poeta, queria ser um, mas não era. Na sua frente havia um microfone e lhe pediram para falar. Mas falar o quê? Sem improvisar começou a falar. Falou do seu sonho, dos livros que lia, dos filmes que gostava, dos amigos que tinha, da namorada que não gostava de poesia, das poesias que escrevia e como as escrevia; falou tanto que quando parou, a feira já estava acabando e as pessoa ainda estavam ali lhe escutando. Elas estavam fascinadas com cada palavra que dizia, não importava qual fosse, ele era a sensação da praça, não pelo que havia escrito, mas pelo que pensava.
Naquele dia na feira do livro um poeta descobriu uma nova forma de fazer poesia, e a feira um novo poeta.