BORBOLETAS
O universo musical é fascinante! Principalmente quando se tem verdadeira idolatria e paixão pela harmonia, melodia e composição que o envolve, mesmo quando proporciona ao profissional momentos de triunfos e desilusões... Abraçar tal inclinação é estar ciente e preparado para acolher, com receptividade e maturidade, o que lhe vier a ocorrer: incertezas, glórias e louros.
Assim era Oscar. Homem sério, responsável e completamente apaixonado pela música. Desde a infância, aprendeu com o pai a admirar um instrumento musical: o piano, cuja paixão lapidou-lhe a alma de tal forma que não se via sem a companhia de partituras e obras de famosos e renomados musicistas.
Senhor de uma extensa força de vontade, aos 12 anos, aprendeu a manipulá-lo, fazendo desse instrumento, um meio de traduzir seus sentimentos e, mais tarde, de sobrevivência. Tornou-se um dos pianistas mais conhecidos e aclamados do país e sua fama rompeu as fronteiras da nação, tornando-o internacionalmente popular.
Era admirado pela paixão com a qual seus dedos deslizavam sobre as teclas e transmitiam, através das diversas melodias, o que se passava dentro de sua alma. Sua disponibilidade não lhe consentia tempo suficiente para investir em relacionamentos e, por isso, optou por não se envolver intensamente com nenhuma mulher, visto que, não disporia de tempo necessário para ela.
Possuía-as quando queria, pois eram todas submissas ao seu talento. Ambas eram atraídas pela harmoniosa forma com a qual ele tocava e todas desejavam, nem que por alguns instantes, ocupar o lugar do piano, para assim, serem acariciadas por aquelas mãos.
Após cada concerto, uma multidão – composta, a maioria da vezes, por mulheres - corria ao seu encontro, a fim de cobri-lo de louvores e galanteios, sempre obtendo tais atitudes das mulheres que, na sua opinião, sempre agiam dessa forma para chamar-lhe a atenção. Afinal, todas estavam sob seus pés, sob seu domínio... a hora que desejasse, bastando, para convencê-las, apenas uma palavra.
Fora convidado a se apresentar em uma metrópole onde sua música tinha boa receptividade pelos habitantes daquele local. A cidade encontrava-se eufórica com a chegada do célebre pianista Oscar que, por sua vez, apresentou-se naquela noite com a mesma paixão serena, envolvente e contagiante de sempre, sentindo os aplausos fervorosos do público com grande entusiasmo. Como de praxe, ao findar a apresentação, muitos se dirigiram ao camarim para cumprimentá-lo. Dentre à multidão, as mesmas almas carentes e necessitadas das mulheres que procuravam nele o afeto que não eram capazes de darem a si mesmas.
Políticos, empresários e outros anônimos cobriram-lhe com palavras de consagração. Oscar não via a hora de que tudo aquilo terminasse e todos se apartassem de sua presença. Estava fatigado... Queria ficar sozinho por um momento, deixar fluir seus pensamentos, livre, imenso, solto... Enfim, depois que todos saíram, inclinou-se sobre o sofá, fechando os olhos, mergulhando em suas reflexões.
Porém, sua meditação foi interrompida quando a porta do camarim se abriu, permitindo a entrada de uma mulher que ingressava no recinto por engano.
Trajava um vestido negro e um broche prateado, em forma de borboleta, repousava sobre seu busto acrescentando-lhe uma beleza voluptuosa. Era ligeiramente magra, tinha cabelos curtos e olhos amendoados, ambos negros. Trazia na expressão uma figura angelical e uma certa pureza no olhar. Era possuidora de um sorriso doce e meigo, além de ser singularmente linda.
Oscar a olhava com uma certa altivez, pois julgava tratar-se de mais uma de suas supostas admiradoras. Mas, para seu espanto, ela parecia ignorá-lo. Fez uma pergunta qualquer e, vendo que cometera um equívoco, desculpou-se, retirando-se em seguida deixando-o intrigado. Como poderia ignorá-lo se todas o idolatravam? – interrogava-se.
Por horas, indagou-se sobre aquela mulher e sua curiosidade tornou-se aguçada acerca do que a envolvia. Como partiria no dia seguinte, não se conformaria em ir, sem saber ao menos seu nome. Não ficaria em paz consigo se não descobrisse algo sobre ela ou, ao menos, a visse mais uma vez.
Assim, resolveu estender por alguns dias sua estada naquela cidade iniciando uma série de investigações sobre tal mulher, mas ninguém a conhecia ou ouvira falar de alguém com as características descritas por ele. Já estava sem esperanças de encontrá-la. Afinal, porque se importava tanto em vê-la novamente? Que efeito ela havia causado nele a ponto de estar fixamente em seus pensamentos? Ela o havia aprisionado com sua esplêndida formosura e como uma presa trancafiada em seu cativeiro, Oscar desejava solicitar de sua ama sua própria liberdade.
Diariamente, Oscar questionava-se sobre como ela havia surgido e para onde teria ido. Uma lança de ansiedade instalou-se em sua alma, conduzindo-o a andar a esmo pelas ruas frias e vazias, a fim de obter qualquer informação sobre a dona de seus pensamentos. Então, percebeu que uma melodia enchia sua alma de exultação. Vinha de uma flauta que o atraía compulsivamente em sua direção.
Havia um grupo de jovens em torno do instrumentista. Oscar aproximou-se para ver de mais perto o talentoso flautista. Para sua surpresa, sua busca chegara ao fim, pois estava diante de sua diva, no templo de sua alma. O olhar dela estava distante enquanto tocava o instrumento, como se buscasse algo por entre as notas musicais. Oscar a contemplava a certa distância, admirando a expressão angelical que transmitia.
Concluída a apresentação da flautista, ele aproximou-se com passos tímidos e fracos, enquanto ela recebia os cumprimentos pela apresentação daquela noite. Estava belíssima, trajando uma saia negra e um corselet branco. Como se apresentava ao ar livre, o vento brincava com seus cabelos e a noite fazia seus olhos apropriarem-se de uma beleza particular.
Um pouco mais perto, Oscar percebeu o broche prateado na forma de borboleta que ela usava. Era o mesmo adorno que iluminava o vestido negro que usava na noite em que a viu pela primeira vez. Acanhado, dirigiu-lhe as primeiras palavras que conseguira pronunciar, apesar da voz trêmula. A princípio, ela parecia não reconhecê-lo, mas recobrou a lembrança daquele rosto.
Oscar convidou-a para um café - Talvez não aceite – Consolava-se. Para sua surpresa, ela aceitou seu convite. Logo estavam dividindo a mesa de uma confeitaria bastante agradável no centro da cidade, onde puderam conversar melhor e reservadamente. Afinal, ambos possuíam a paixão pela música. Riram, conversaram, partilharam de suas experiências musicais, dentre outros assuntos. A hora já estava avançada quando ele a levou para casa.
Na despedida, Oscar depositou-lhe um beijo na face, ainda com os lábios frios e trêmulos. Como retribuição, recebeu o toque caloroso e cheio de vida dos lábios doces e carnudos da dona de seus pensamentos. Petrificou-se diante da bela imagem daquela mulher, enquanto a observava entrar em sua casa, quando lembrou-se de que não sabia seu nome. Voltou para a casa onde a deixara e, enquanto tocava a campanhia, perguntava-se como uma mulher poderia arrebatar covardemente para si o coração de um homem que tinha todas as mulheres aos seus pés e, agora, encontrava-se rendido aos pés de uma mulher cujo nome não sabia.
A porta se abriu e ela estava ali, diante dele, mais linda do que nunca, com seus belos olhos a fitá-lo. Meio sem palavras, Oscar desculpou-se por atrapalhá-la, mas não poderia ir sem fazer-lhe uma pergunta. Tinha necessidade de saber seu nome. Ela lançou-lhe um sorriso cativante, convidando-o a entrar.
Oscar percebeu que na sala havia alguns instrumentos musicais, mas um, em particular, chamou sua atenção: era um imenso piano negro, antigo, porém muito bem conservado. Nele estava escrito com letras prateadas o nome Marcela, seguido pela ilustração de uma borboleta. A mesma que ela usava no busto.
Percebendo a desordem na mente de Oscar, resolveu explicar-lhe que o piano foi o primeiro presente que seu pai lhe deu. Ele era pianista da orquestra local e deu o nome de Marcela ao instrumento, pois afirmava ser, o nome da pessoa mais importante de sua vida: sua única filha. Na festa de quinze anos, lhe deu o broche que usa desde então.
Oscar ouvia, atento e fascinado, a história de Marcela e contemplava o seu sorriso, enquanto ela falava com grande entusiasmo, pedindo que dividissem as teclas do piano em uma melodia. Ambos, tomados pela grande emoção que a música transmitia, iniciaram um concerto particular, no qual seus dedos, por um instante, tornaram-se membros de uma única pessoa. Viviam a melodia que tocavam e sentiam na alma a concordância das notas musicais.
Oscar a olhou de forma sutil e interrompeu a canção, contraindo suas mãos com as de Marcela. Olharam-se, tocaram-se e beijaram-se com profundo ardor. Oscar sentiu a renovação de seu ser, ao experimentar a candura dos lábios daquela mulher que, com tal suavidade, aqueciam e davam vida à alma de um homem indiferente e inerte sentimentalmente.
Oscar a despiu de forma suave e delicada... Sentia a tez perfeita, de tamanha singeleza, que o deixava cada vez mais alucinado e ansioso em tê-la sob seu pleno domínio. Marcela, por sua vez, explorava o corpo de Oscar em múltiplos focos, sendo o órgão seu principal alvo, usando sua boca como arma basilar.
Iniciaram, então, oralmente o sexo. Marcela o encostou ao piano, enquanto degustava seu órgão ereto e apetitoso. Ela provocava, com o calor de sua boca, uma sensação tal de êxtase, deslumbre e arrebatamento que, Oscar, completamente rendido, deixou-se tomar inteiramente.
Ele a deitou sobre o piano, passeando sua língua sedenta pelo corpo gracioso que estava sob o seu, sugando-lhe os seios e devorando-lhe a genitália. Então, Marcela o montou. Oscar, que sempre dominava suas amantes, via-se domesticado pelos encantos e prazeres da bela musicista.
Marcela era diferente das outras mulheres com quem Oscar se relacionava. Era uma dama em vestes de menina que, com seu semblante angelical, conduzira ao céu um homem indiferente aos sentimentos, como ele mesmo se definia. Enquanto se amavam, Oscar teve a visão de borboletas prateadas encobrindo os ares do ambiente, deixando cintilantes seus corpos nus, envoltos pela paixão.
No dia seguinte, completamente rendido e sentido-se o homem mais realizado que pudesse existir naquele lugar, Oscar voltou à casa de Marcela, mas ela não estava. Esperou por um longo tempo. Instintivamente, girou a maçaneta e abriu a porta. Perplexo, percebeu que a casa estava completamente vazia. Os móveis, os instrumentos, as flores, nada mais estava lá, à exceção do piano com o nome e a borboleta bordados em prata.
Sobre o instrumento encontrou o broche que Marcela freqüentemente usava, além de um bilhete:
“Sei que parece estranho depois da noite que passamos juntos, que não me encontre aqui. Na verdade, sabia que viria e o que pretendia, mas não tenho o direito de interromper o curso do destino. Vivemos cada dia de uma vez, sem poder neles nada acrescentar ou abolir. Sou como uma borboleta que voa a lugares longínquos e distantes, mas que sempre retorna às origens. Fique com minha lembrança, da mesma forma com a qual guardarei a sua... Para sempre... Agora, vivo o meu tempo e você deverá viver o seu.
Com carinho, Marcela”.
As mãos trêmulas de Oscar mal podiam segurar o papel e seu coração recusava-se a acreditar na partida da mulher que verdadeiramente amava. Contudo, compreendeu que o amor assemelha-se a um pássaro, que se lança em altos vôos, mas sempre retorna ao ninho, por saber que, ali, alguém está a esperá-lo.
Tomou o adorno que Marcela havia deixado sobre o envelope, fitou-o e levou-o de encontro ao peito contrito. A partir daquele dia, a jóia ficaria sobre o piano durante suas apresentações e, se antes de conhecê-la, Oscar tocava com grande paixão, agora, concertava exclusivamente para sua amada. Marcela deixara sua presença marcante na liberdade, representada na figura de uma singela borboleta. Assim é o amor: chega sem avisar e vai, muitas vezes, sem voltar.