FAROL EM NEVOEIRO
Se eu fosse um marinheiro sábio e experiente, jamais tomaria como referência um farol em nevoeiro. Faróis de mar são traiçoeiros, sempre estão lá, faça sol, faça chuva, faça névoa. É inquietante em alto mar você sozinho lutar com tempestades, tufões, tripulação em agonia, sobretudo, é com os últimos que se deve exacerbar a preocupação, pois o motim é fato, o ódio é fácil e o farol é o escape. Sendo eu, velho marinheiro, que superara o mito do cracken, os encantos das sereias e as pragas do vigário, como poderia conter quem se quer ainda não subiu ao mastro? Não é meu esse dever. Acalme seus demônios e a névoa dissipar-se-á.
A tempestade é real, e somado a sua fúria a densa neblina. Ao fundo da expressão marinha, ver-se um farol acesso, certamente é antigo, castigado pelo tempo, criado e clamado pelos homens. Quantos homens o clamam em meu pedaço de madeira esculpido e flutuante? Muitos, eu o nego. Nego porque sei que não é confiável, ao mesmo tempo em que sei que minha soberba não é confiável, não sendo de confiança eu, nem o farol, a quem sobra esse papel? Ao desespero? Ao medo? Ao perigo eminente da tripulação tornar-se brava e decapitar-me, atirando-me logo após meu corpo aos tubarões famintos por deslize? Possivelmente. O cenário mórbido é alcançado, minha sabedoria nada vale a ânsia do retorno, do porto seguro. Veja a alegria dos homens fortes ao ver a luz do farol em meio ao nevoeiro, não a nada mais humano que essa luz. Partiremos então para a luz! O sábio marinheiro foi derrotado, sua soberba aniquilada. O bem comum prevalecera.
Passemos as pesadas ondas, driblemos o vortex a este bordo. A luz em meio ao nevoeiro está mais forte, mas, por que a nevoa não dissipa? Ela é a mesma, a tempestade também, cabe ao oceano cochilar. Sendo eu, sábio marinheiro, desconfiaria da escolha dos homens, desconfiaria da luz dos homens, desconfiaria inclusive de mim mesmo, neste cenário não sabemos de nada, apenas da natureza do mar, ou, no mínimo, o quanto esta natureza nos serve ou deixa de servir, o quanto a tempestade nos odeiam.
Após devaneios insanos, sente o velho marinheiro um baque. Rochas no caminho - Supere-as! - gritam os homens - logo estaremos no porto seguro! A navegação é longa, a luz é densa, a paz se instaura no barco, no barco... Queria o sábio marinheiro que a paz viesse antes, a inteligência viesse antes. Um segundo baque, dessa
vez um pequeno barco bate em nosso grande navio de duvidas. Pulem para o bote marujos! Em euforia grita o mais alegre. Em espicho sangra o primeiro, em agonia novamente estão. À inquietude retorna na quase solida imaginária areia de praia. O farol era da naval, fardados vermelhos o manipulara, assim como nós manipulamos iscas para o pescado, como nós, piratas, caímos nessa? O sábio marujo, agora morto, só queria afundar com seu navio, pois sabia que não havia nada mais traiçoeiro que a luz daquele farol em meio ao nevoeiro.
Sebastião Monte Moreno.