UMA CRUZADA CONTRA AS PALAVRAS (PARTE III)
MAIS DO QUE A GUERRA CONTRA A PALAVRA: UMA LUTA CONTRA O TEMPO
Ela acordou de repente achando que o dia anterior não tinha passado de um sonho ruim. Demorou a se dar conta do que aquele aparente absurdo não fora um sonho, resistia a crer no mais elementar dos fatos e acontecimentos.
Até então tudo que havia importado era o fato de que todos estavam mortos e ela não passava de uma velha solitária; que o tempo era uma espécie de assassino metafisico conspirando contra a vida humana. O tempo não era uma coisa, mas um sujeito abstrato e maléfico deliberadamente agindo contra todos nós. Ele era a mais radical personificação do mal. Mas agora tudo estava diferente. Graças aquela mulher nua que pairava no ar. Ela sabia do tempo... do quanto ele era perigoso. Mas a mulher nua não pertencia ao nosso mundo e a luta contra o tempo. Se quer sabia o que é estar vivo. O mundo é muito diferente daquilo que pensamos que ele é quando sabemos as coisas através dos olhos daquela mulher nua. Tinha tido essa experiência e, de algum jeito, ainda estava dentro dela.
A velha senhora sabia que havia saído da consciência do tempo e do espaço mediante algum artificio utilizado pela misteriosa mulher nua. Agora tudo a sua volta era uma espécie de limbo abstrato onde sentia a paz da experiência do insubstancial das coisas. Ali o tempo não poderia toca-la, pois ele simplesmente não tinha como existir ali onde absolutamente nada acontecia ou podia acontecer.
Também já não carregava a culpa de todos aqueles que morreram, de todas as vivencias desfeitas e épocas perdidas. Era o tempo o verdadeiro algoz e não sua falta de cuidado com aqueles que tanto amava . Agora estava livre de tudo. Inclusive do inconveniente peso de si mesma e dos outros.
Seu corpo era agora uma coisa entre as coisas dentro do tecido do universo inteiro. Algo insignificante e, ao mesmo tempo, pleno de sentido em si mesmo. Existir era algo relativo e paradoxal. Ela sabia que havia se transformado em algo impossível. A realidade era infinita e não passava de um mero grão de areia. Como explicar?
Queria saber o que havia acontecido com aquele maltrapilho que havia encontrado na rua. Percebeu que isso não era difícil. Bastava pensar nele e estaria na sua presença. Foi o que fez. Agora estava diante dele em um quarto abandonado e sujo que fedia a carne podre embora praticamente vazio. Eram só quatro paredes encardidas e uma janela para rua...
-Olá meu filho Encontrei você novamente.- Bastava pensar para que suas palavras estivessem na cabeça dele. Laconicamente o maltrapilho respondeu sem demonstrar qualquer assombro:
-Não lhe conheço.- soube sua resposta sem que qualquer forma de verbalização. Também sabia suas emoções naquele momento e em muitos outros tempos. Percebeu que ele não sabia se quer quem ele era e que de um modo diferente habitava um limbo. Não havia o que conversar. Pelo menos por enquanto. Mas chegaria o momento em que o faria ver as coisas de outra maneira. Pois para ela isso já tinha acontecido em algum lugar. Parou de pensar nele e retornou ao seu limbo.
A INVISÍVEL VOZ DE LUGAR COMUM
Aqui o nada encontra o todo
E inexistem todas as coisas.
O segredo da vida
É que ela não está em qualquer parte
E o corpo é mais misterioso
Do que todo o universo.
Não se preocupe com a verdade
Ou com as imaginações dos sonhos,
Há mais coisas em seu pensamento
Do que o pressuposto por sua consciência.