O “Megero” Metamorfoseado
– Vai, menina, limpa isso aí logo! Não varreu a casa ainda não? Cadê tua mãe, hein? Minha roupa tá toda suja!
– Ok, painho, ok. Ela já volta... foi buscar o Serginho na creche e depois ia passar no mercado.
– Afff... oh, se te ver de novo com aquele rapaz que só vê futebol, vou te dar umas cacetada, menina, para vê se você acorda pra vida!
– Oxeee, painho, pra vida eu tô acordada faz é tempo. Não é porque todos os meninos da vizinhança assiste futebol, que o Juliano assiste também. Vamos morrer de saudade um do outro enquanto eu estiver na faculdade, vou te trazer o meu diploma.
– Diploma... sei que diploma cê vai trazer, menina. Vai me trazer dor de cabeça e mais uma boca pra comer, como já não bastasse as que já tem em casa.
– Oxeee, painho fala como se só você sustentasse essa casa. Mainha trabalha também... Aí lá vem ela chegando com o Serginho, que dá um trabalhão, e você nem pra trocar uma fralda do menino.
– Já existe você e sua mãe pra isso.
Passado um tempo....
– Mainha, estou indo pra faculdade. Volto daqui a quatro anos!
– Vai com Deus, minha filha.
– Não limpou o chão ainda não, mulher?... Puff... Puff...
– Por que está me ligando a essa hora, mainha? Aconteceu alguma coisa?
Fui na delegacia dar queixa de seu pai e me mudei. Estou morando no fundo da casa de dona Rosinha, num quartinho. Agora sim, sinto mais ainda o calor de Recife. Mas não se preocupa não, filha que eu e o Serginho estamos bem. Ah, você tem que ver ele, já está tão grandinho.
Quatro anos depois.
– Que diploma lindo, filha! E não é que se formou mesmo!
– Como vai o painho, mãe?
– Depois que larguei dele, filha, o megero do homem arrumou umas par, mas cê acredita que nenhuma suportou as implicâncias e insolências dele não?! Só eu mesmo pra aguentar aquela criatura.
– Depois que cê falou disso, mãe, me lembrei da megera domada de Shakespeare. Só que com nós o papel foi invertido. Deixa pra lá, mas cê ainda não ama o pai, mainha?
– Amar eu amo, minha filha, mas nem bicho merece viver daquele jeito. Os vizinhos disse que agora ele só tá na cachaça. Ele que não se cuida não, que nem espaço reservado na alcova ele tem não.
– Vamos dar uma chance pra ele, mainha. Tenho um plano. E se ele passar, voltamos a viver com ele. Caso contrário, você já sabe né?
– Que que cês tão fazendo aqui? Vai limpa o chão é? Vai limpa o chão, suas miseráveis!
A filha de farda ficava com a mão sobre o pequeno cassetete de borracha, toda vez que o pai esbravejava, insultava, implicava... Com a insistência do ato, o pai foi ficando silencioso, refletindo sobre seu tratamento para com o próximo até que desapareceu por uns tempos.
– Faz cinco anos que não vejo teu pai, minha filha.
– Eu também me preocupo com painho, penso nele todos os dias. Num desses dias, vi um senhorzinho bem parecido com painho, só que tinha uma pequena cicatriz na testa – coisa que o painho não tinha. Ele me disse que respeitamos por amor ou por medo, por nenhum dos dois painho quis se submeter.
– Mainha, mainha!!!
– Que que foi, Serginho?
– Painho está de volta. Juliano disse que viu ele de terno, todo chique. E disse pra ele que esta tarde estava voltando pra casa. Estava com um buquê enorme de flores na mão. Acho que é pra senhora.
O pai voltou para casa.
Era um homem irreconhecível. Se ajoelhou aos pés da esposa e, aos prantos, lhe agradecera o que ela e a filha fizeram por ele. Beijou a testa do filho e lhe deu um brinquedo, ainda tinha uma pequena caixinha de joia nas mãos.
– Olha quem está aqui, Aline – disse a mãe.
Aline, com ímpetos de alegria abraçou o pai ao mesmo tempo que escorriam pela sua face inúmeras lágrimas de felicidade. Aline observara que o pai continha a mesma cicatriz que aquele senhor barbudo que encontrara na rua dias antes, com vestes simples e que lhe dissera algumas palavras, agora nem tanto recordadas.
– Tome, minha filha, esse presente é pra você!
Aline abriu a pequena caixa, de madeira por fora. Lá dentro havia um par de brincos rutilantes e um pequeno pedaço de papel escrito com letras douradas as seguintes palavras:
– Escolho respeitá-los por amor, minha filha.
Instantaneamente Aline se lembrara daquela frase daquele senhor, que dizia que respeitamos por amor ou por medo.
Com um sorriso largo no rosto disse:
– Era você painho!