A praça encarcerada não aprisiona sonhos
Tarde ensolarada, carros em velocidade, grades cercando a praça pública, refém do descaso, cujas plantas secas, pisos quebrados sinalizam a urgência necessidade de mudar... A praça que seria do povo como o céu é do condor, como dizia Castro Alves, clamava por transformação. E assim, passava mais um dia. Apesar da aparência de abandono, casais e demais transeuntes reforçavam seus vínculos em meio aquele aspecto tosco e degradado. Possivelmente buscavam tornar mais belo o ambiente a sua volta.
Em meio a estes devaneios noto a presença de pessoas que não aparentam ter moradia fixa, se tem emprego ou não, não sei, tampouco se convivem com suas famílias, se possuem problemas com bebida, entorpecentes... Seus modos de vestir, de comportar, como se nada tivessem a perder. Despercebidas dificilmente passam, gerando quer medo, quer compaixão. Um questionamento passou a me consumir. Tais grades não intimidaram tais “cidadãos de papel”? Logo me vem a mente o contrário, acho que as deixa mais protegidas da violência. Simbólica, em meio a olhares, caras, bocas de um mundo que os exclui e repele.
Envolta a este cenário observei duas meninas, aparentemente irmãs que não se desgrudavam. Roupas singelas, risos largos em suas faces, corpos esguios, frágeis. Não cansavam de se abraçar, com um misto de carência e afeto. Eis que surge um terceiro personagem, um cidadão de barbas a fazer, roupas sujas, aparentando um morador daquela e de tantas outras ruas e avenidas da cidade de Salvador. Ao se aproximar, começam a se abraçar. Observando, atenta e curiosamente esta singela e curiosa imagem, logo algo saído dos lábios de uma das meninas me fez querer contar esta história: “Posso acessar o facebook de seu celular?” Após este diferente pedido, percebi o quanto a sociedade estava mudando... Apesar de ainda “a fome ser grande e a liberdade pequena”, logo veio a mente Ferreira Gullar. Quem seriam seus amigos? Quem era ela na rede? E ela sabe quem é?
Eis que três vidas deixaram marcas, ao menos em minha memória, quanto aos demais transeuntes não sei. Creio que estavam muito ocupados e não puderam se aquecer no calor daquele abraço.