Coração trocado
Ela gritava. Ele corria de um lado para o outro, tentando fugir dela, enquanto rasgava o ar com os gritos, que vinham do fundo de sua alma. Ele, ainda que tentasse, não continha a fúria com a qual ela gritava. Seus esforços de acalmar o coração agitado de sua jovem esposa foram inúteis. Em uma ideia súbita, ele entra no quarto, puxa a velha mala de viagem e começa a enfiar roupas dentro dela. Como se algo estalasse em sua cabeça, ela para de gritar, e se aproxima lentamente.
_Meu amor, o que está fazendo?
Ele continua enfiando as roupas, silencioso, se vira e da de cara com ela, com as mãos em seus ombros tira o corpo pequeno do caminho, vai até os sapatos e começa a embrulhar alguns pares em plástico.
_Meu bem, o que é isso?
Ainda silêncio, ele continua arrumando suas roupas, ela senta na cama e fica assistindo o marido arrumar a mala. Alguns minutos, ele ainda pegando suas coisas. Ela levanta se e sai do quarto. Ele olha surpreso, com a reação, porém não vai atrás e começa a desfazer as malas. O silêncio que toma a casa de repente se torna aterrorizante, ela nunca ficava calada. Porém, o terror é rompido com o latido do cachorro, e a voz dela pedindo que ele fique sentado, enquanto parece estar o alimentando. Os sons do gato brigando com ele, sempre ecoavam na hora da comida, e por isso ele não sentiu nada diferente. Aproveitando a paz, que surgiu de sua reação, sentou se ao computador e foi resolver algumas coisas de seu livro.
Ficou ali, escrevendo, revisando, trabalhando, quando notou que estava ali já haviam horas, e sua esposa ainda estava em silêncio. Passavam das dezoito, normalmente o horário em que a bagunça na cozinha começava, o que ela chamava de jantar, e ele de guerra na cozinha. Levantou se e ouviu o gato miar, ele apareceu no corredor, vindo da sala, em sua direção. Os dois se olharam, e quando pensou em toca lo, ele fugiu correndo. Havia algo estranho no ar, algo muito estranho.
Foi até a sala, viu os pés de sua esposa no sofá, aproximou se dela, viu que ela estava coberta, e de olhos fechados. Deu um beijo em sua testa, e viu que seus olhos estavam inchados. Decidiu deixa La descansando, e foi até a cozinha, faria algo rápido e os dois jantariam, e logo estariam novamente as boas do casamento. Ela respirava tranquilamente, e dormia de forma serena.
Com o jantar pronto, já passavam das dezenove e trinta, quando ele ouviu algo que chamou atenção. O som do cachorro no sofá onde ela estava, e o curioso é que ela não suportava que ele ficasse naquele sofá, já que era preto, e difícil de tirar os pelos. Na poltrona, ou na cama ela não ligava, mas no sofá era algo desastroso em seu ponto de vista. Achando estranho foi até ela, e quando se aproximou, viu que o cão pulava sobre ela que não reagia. Assustado, deu a volta, e viu manchas de sangue no chão. Desesperado, puxou a coberta ao seu redor, e viu a faca que ela havia enfiado no próprio peito.
A ambulância veio até rápido, mas para ele foram anos de espera. Por muito pouco, ela não acertara o coração, e agora se recuperava no hospital. Quando acordou e o viu, fechou os olhos, com vergonha, e tristeza.
_Amor, olá!_ disse ele tentando sorrir, mas desejando chorar.
Ela por sua vez, chorava como bebê, pedindo perdão. Ele, vendo o sofrimento dela a abraçou, e ficaram ali, na cama do hospital, olhando para o nada.
_Por que fez isso?_
Houve um silêncio, seus olhos encheram se de lágrimas.
_Se fosse para viver, sabendo que você me deixou por idiotices minhas, preferia arrancar fora o coração e morrer._
OS dois permaneceram ali abraçados, sabendo que na verdade seria o coração dele a ser ferido, já que um havia dado o seu para o outro. Eles não feriam mais a si mesmos.