DUAS ESTÓRIAS DE..."SURDEZ" (?!)

Estória (sem agá) muito antiga em que o grito do professor “Pra parede!” fazia tremer até o alicerce da escola. (Diz-se que grito de mãe /chinelo na mão/ até filho surdo escuta a quilômetros.) Tempo cruel. Ou simplesmente hábitos cruéis. Tabuada era um martírio e os alunos apenas decoravam num coral de vozes infantis, sem aprender de fato. Porque na teoria 6 x 6 = 36, na prática era outra coisa, em especial na vendinha do seu Manuel quando a empregadinha de serviços, comum a várias famílias da redondeza, ela de farto traseiro redondo, pedisse assim: “Seis vezes meia dúzia de ovos em pacotes diferentes...” – “Ai, que belezura de escurinha!” (o elogio ‘gostosa’ é mais contemporâneo) – de repente ele, escola primária antiga ainda do tempo do ‘Pedrão’ (o de número 2, início das escolas públicas oficializadas), de memória torta chegava aos 38 ou 39, empacotava tudo, de 6 em 6, e dava os restantes para a ‘lindinha’ fazer uma......... gemada com caprichado vinho do porto. Bom, não se pode garantir que ele amanhecesse ou não em outra cama que não fosse a dele com a Maria de Nazaré. Ai, se a de casa gritasse somente a expressão odiosa! Ao amanhecer, a vizinhança adorava o escândalo rotineiro, o grito de “Pra...” indicava para ele ir em ‘outra’ direção... que não era a parede. Pior era o aluno, calça curta, ajoelhar durante longo tempo em grãos de milho ou com suas próprias mãos colocar nas laterais da cabeça dois papelões no feitio de orelhas de burro, mostrando-se para os passantes da rua, no geral um sobrado avarandado que improvisavam como sala de aula. O truque era antigo, jogar com a sorte se o professor conhecia ou não... Boato que ‘Pedrinho’ (o de número 1, jovem rebelde) fizera isto com o pai – assustado, o monarca ‘Joãozão’ pensou que o excesso de comer frangos assados ou tomar banhos de mar dentro de barris de madeira lhe afetaram as ‘oiças’ (ouvidos, no castiço linguajar lusitano). Aí, o nosso garoto puxou um assunto qualquer, mais precisamente falar de comida com o professor (comida de pobre, na época, inversão dos valores atuais, era bacalhau, comprado em qualquer vendinha de ‘secos e molhados’...), prometera espionar na cozinha e ensinar os segredinhos úteis de como a mãe fazia os tais bolinhos... e foi baixando cada vez mais o tom da voz, ao ponto de agora apenas sussurrar e ao final somente mexer os lábios sem som algum. O professor, a cada minuto mais assustado, meteu um lápis de um lado e de outro, bateu nas orelhas com as mãos abertas e saiu da sala. Ele aproveitou e em minutos explicou aos colegas o que acontecera – em coro, os moleques resolveram colaborar, imitar, e o infeliz educador (?!), com toda a sua cultura de saber latim, grego e literaturas, não percebeu que era surdo diante apenas de vinte pivetes endiabrados. Vitória da massa popular! Em poucos dias, o mestre-escola sumiu. Soubesse que acabou saindo para outro ambiente muito melhor – foi secretariar um ministro ou algo assim, cuja política lucrativa juramentada (mão direita sobre uma Bíblia muda) do gabinete de trabalho era “ser surdo”. “Cego” e “mudo”, situações complementares. Muitas propinas! Veio uma professora meio doida (ou “Uma Professora Muito Maluquinha”, antecedendo a personagem do escritor e desenhista ZIRALDO ALVES PINTO), logo no primeiro dia trouxe três galinhas que rapidamente acabaram com o estoque de milho e queimou a coleção de orelhas, em solenidade, turma em pé, mão no peito, cantando o Hino Nacional. Cantaram bem mal, era isto que ela queria saber: o que a turminha de fato não sabia. Hino difícil mesmo! Foram aulas de muita paciência.......................... e muita risada, muita alegria. Não fosse o machismo vigente (permanente não), ela teria sido uma excelente ministra!

----- Curta estorieta sem lenda ou tradição. Na casa, apenas mãe e filha fazendo a lista de compras. A Prefeitura comunicou às escolas que ao meio-dia em ponto hasteassem a bandeira do Brasil na data de 19. Sexta-feira, questionamentos gerais de ‘eu-gostaria-muito-mas-não-posso-vir’......... a diretora convocou a diretora-adunta (“Ah, você tem carro e mora em outro município a poucos “centímetros” daqui!”) e a inspetora de alunos (“Ah, você não tem marido nem filhos!”). Sábado. Nada ‘voluntárias da pátria’, uma chegou no fusca velhão e a outra acompanhada pela mãe. Meia dúzia de gatos pingados, ou seja, alunos/alunas uniformizados, luvas brancas, o chamado “pelotão da Bandeira”, alguns curiosos na calçada, mureta baixinha. Hasteou-se a dita cuja ao som de uma vitrolinha rouca, talvez de pilhas em fim da linha. Todos para casa. Duas mulheres, rumo ao mercado! A mãe da moça intrigada. “Estou ficando surda?! Eu não escutei a garotada cantando...” Resposta clara e objetiva: “Só mexeram com os lábios... Não sabem cantar o hino todo, e bem certinho.” “Ah, foi isso?! Porque o resto eu escutei...”

NOTAS DO AUTOR:

HINO NACIONAL BRASILEIRO – a) Música criada em 1822 pelo maestro e professor FRANCISCO MANUEL DA SILVA (1795/1865), com o nome pomposo e circunstancial de “Marcha triunfal”. Crise Brasil X Portugal (ih, três ‘-al’ juntos, eco inevitável!), Dom Pedro I, embora machão autoritário, teve dúvidas decisórias, temeroso às pressões da Corte, hino que esperasse a sua letra! História (com agá) demorou... E em 1831, ele atravessou o Atlântico em definitivo. b) Letra de autoria do professor, bibliotecário, jornalista, ensaísta e crítico literário OSÓRIO DUQUE ESTRADA (1870/1927), o hino finalmente foi redigido em outubro de 1909, projeto original arquivado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. c) A estória (agora sem agá) é interessante. Pura poesia romântica porque em verdade o brado – palavra mais literária que um simples grito – retumbante de liberdade não aconteceu às margens do riacho e sim no alto de uma colina próxima, onde a tropa o esperava aliviar-se de um excesso guloso de ovos queimados, grande sobremesa! Viagem secreta, pequena comitiva, Dom Pedro montado num burro, animal indicado para viagens longas, em traje não oficial, mau humorado, porém, ah, feliz “porém” na terra brasilica: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.” – FERNANDO PESSOA.

BANDEIRA DO BRASIL – Antes, tinha sido a bandeira do Império, as cores representando simbolicamente as famílias reais de que descendiam D. Pedro I e a Imperatriz Leopoldina - o verde representava a família de Bragança; o amarelo, a família austríaca de Habsburgo-Lorena; o azul e o branco, as cores da divisa de Portugal, origem de nossos descobridores. A 19 de novembro de 1889, ganhamos uma nova bandeira, adaptação da imperial em ‘new design’... Com o passar do tempo, a informação séria sobre as cores diluiu e, num novo contexto, o verde representa as matas brasileiras, o amarelo, as nossas (nossas?!) riquezas, o azul é o céu e o branco (tadinho!), o ideal de paz que deveria reinar sempre aqui. As estrelas simbolizam os Estados do Brasil e o Distrito Federal, sendo que cinco das estrelas formam o Cruzeiro do Sul.

F I M