O BILHETE
Em fevereiro de 1957, num fim de tarde, um grupo de crianças banhava-se num açude, na propriedade do avô paterno, no interior do Rio Grande do Sul, quando uma delas avistou alguém boiando. Em disparada, retornaram para casa. Chegando, relataram o fato, tendo sido tranquilizados pelos familiares:
– É o neto do vizinho que veio da capital passar uns dias com ele.
Horas depois, a meninada voltou ao local e lá estava o moço. Acharam-no estranho, pois além de tomar banho vestido, não falou nada quando o chamaram, mantendo-se imóvel.
Maristela, a mais velha das meninas, disse:
– Ele, com certeza, não gosta de crianças, por isso não quer papo conosco.
Cuidadosos, brincaram por um tempo na água. Não se demoraram já que temiam tornar-se iscas das traíras e das sanguessugas.
Ao se aproximarem da casa, encontraram o fazendeiro vizinho que lhes perguntou pelo avô. Pediram que os acompanhassem. O vô tomava chimarrão no celeiro.
Seu Ernesto assim que viu o amigo, perguntou:
– Seu Luís, o senhor não viu o Miguel? Ele saiu na sexta-feira para caçar e até agora, nada. Andei por tudo e nenhum sinal do guri.
As crianças, alvoroçadas, gritaram:
– No açude tem um homem boiando.
– Não... Não deve ser meu neto. Pelo que sei, não sabe nadar.
Os adultos dirigiram-se ao açude. Seu Ernesto ia à frente. Ao reconhecer, nos arbustos, alguns pertences do rapaz, jogou-se na água e, aos gritos, foi ao encontro de Miguel.
Esse deixara junto à arma, um bilhete, onde dizia;
– Vô, agradeço-te os momentos e experiências compartilhados. Cansei. Faltam-me forças para continuar. Te amo!