CARALHO GOLF - 1.2

Após noite de insano trabalho João se deixa envolver por ritmo sublime de olhos nunca vistos. Biancara possui olhos grandes, arredondados de intenção persuasiva. A matéria verde de que habita ambos o seguem pelo bar procrastinando cada passo seu, como se desfrutasse do sabor da oportunidade. Biancara o analisa e mantêm-se convencida de que João é o cara da noite. Ao perceber tamanhos olhos que o seguem para todos os lugares, João perde-se em meio suas atividades devolvendo-a, em reciprocidade, àquele rosto de feiticeira um olhar nada comum. Não há como fugir, desviar ou disfarçar quando Biancara encontra a presa da noite. Ficaram apreensivos todos a sua volta, pois conhecem melhor do que João uma víbora quando de sua intenção de arquejar o bote. Não faz questão em disfarçar ego, João já foi apanhado, resta deixar-se envolver pelo veneno que o abate.

--- Chefe, tudo limpo lá em cima.

--- Ok. Tome uma.

João dispersa. Encontra garotas em balcão do bar que insinuam sensualidade sob único motivo qual as resguarda em ambiente, uma cerveja. Fecham-se as portas. Boteco possui todos em suas mãos. João percebe que há vida em boteco, encaminha noites de pura satisfação e alegria, invade os corações dos apaixonados, persegue os já viciados e acaba por tornar seus clientes que estão para ser servidos em um exército de servos. João prefere não demonstrar medo perante tomada de decisão de Boteco. Por isso mantêm fazendo o que sabe fazer, buscando interagir intimidade sempre que possível com todos os clientes. Sabia ele que agradando aos clientes agradaria ao Sr. Boteco.

--- Daniel Alves, conheça Dani e Biancara --- mal soube ele do erro que acabava de cometer ao se mostrar apreensivo em conhecê-la. Não teve como prever, mas reencontraria Biancara dias depois em módulo policial de seu bairro.

Daniel Alves era como boteco o significava. Todos ao seu redor o reconheciam enquanto Daniel, o melhor garçom do “Caralho Golf”. Boteco sabia que se por um acaso do destino viesse perder Daniel o Boteco sofreria drásticas recessões. Muitos clientes se identificavam com Daniel, buscavam por atendimento especial, preferindo esperar ao ser atendido por outro garçom. Sem dúvida Daniel estava para Boteco, assim como Boteco estava para Daniel. Uma ação conjunta entre duas formas de sobrevivência.

–- Você se parece mais com Jesus Luz comenta Biancara.

–- Obrigado –- Esgota prosa com sorriso amarelo diante situação constrangedora.

João encaminha em direção aos freezers, apanha a cerveja desejada e completa os copos com líquido boêmio.

--- Assim é que se faz --- Resmunga baixo para ele mesmo ouvir.

Seu olhar abstrai vácuo e perde-se em múltiplos pensamentos enquanto suspende espuma à borda dos copos. João sempre paga mais caro por suas cervejas é a lógica do Boteco. Não demora todos sentam-se em volta da mesa mais próxima do balcão e começam a noite ao clarear do dia. Seis da manhã aponta o relógio. O que para João seria mais uma noite de descontração, após o pesado trabalho de sobrevivência, para Boteco seria a última noite de João. A lógica da despedida acontece horas mais tarde, quando todos estiverem embriagados pelo desespero que há em cada fracasso que insiste de perambular pelas imediações.

--- A brincadeira é a seguinte --- Diz Cadu, tombando a primeira garrafa vazia em meio a mesa que todos estão sentados --- VERDADE ou DESAFIO?

Todos esmurram a mesa, gritos sacolejam atmosfera do silêncio, gargalhadas e uivos desprendem-se das gargantas ressequidas por mais líquido boêmio pondo-se garrafa em movimento. Outras duas são abertas para completar os copos de alegria, espumada e fermentada ao lupo daquilo que resume o cotidiano da maioria. Boteco os detém para si e não há mais nada a ser feito. Primeira pergunta é João quem faz para Dani.

--- Verdade ou desafio?

–- Verdade --- Diz com sorriso de canto, como se possível fosse manter boa conduta e bons modos à determinada altura.

--- É verdade que você quer beijar na boca está noite?

Todos à mesa surpreendem-se com iniciativa de João. Boteco o considerava um sujeito tímido, sério e bastante calado. Nota-se pequeno murmúrio por espera da resposta de Dani. Cadu puxa de seu bolso a carteira de cigarros e distribui a todos até que ascende o seu já sobreposto e bem preso por seus lábios, reduzindo os olhos para primeira baforada de fumaça. No que apanha isqueiro, João sente-se como personagem de cinema. Acomodado à extremidade da mesa, detém copo e cigarro em mãos. João entende que todos a sua frente não passam de meros reflexos de um mesmo labirinto de espelhos. Boteco orquestra toda a cena, tece a trama e financia a peça. Boteco é o grande mágico dos mágicos, esconde seus truques na manga e distraí plateia com encantadora apresentação. Boteco rege sinfonia a todos os jovens reclusos em seu show de representação. Ninguém ali naquele momento imagina estar encarcerado em suas próprias imagens sobre o outro, sendo tarde demais fugir de tal ambiente. Todos pensam dominar boteco por manterem destreza suficiente para preservar porta fechada. Enganam-se. Boteco já os dominou a muito tempo.

--- Verdade --- Soa voz como estalo em suas mentes.

Novos rugidos emergem daqueles corpos ocos e sombrios. Assevera-se a intensidade dos batimentos cardíacos os resmungos as conversas paralelas até que se gira garrafa novamente. Chegada hora de Biancara perguntar à João.

--- Verdade ou desafio Daniel Alves?

--- Desafio --- Responde João com tamanho entusiasmo e sinceridade que até ele surpreende-se com sigo mesmo. Mais duas cervejas são abertas e completam-se os copos vazios. Todo ambiente está envolvido por nuvem de fumaça espeça, dificultando a meia luz enxergar com clareza a face dos que se opõem a mesa.

--- Desafio Daniel Alves a dançar Funk comigo no balcão do bar.

João compreende pedido ousado, sabe que faz parte da trama do Boteco. Mas deixa-se levar pelo calor do momento. Afinal não é todos os dias que se vive em sonho a recreação de toda sua realidade. Diante consentimento de Boteco, João sobe em balcão ajudando Biancara a subir pegando sua mão pela primeira vez. Boteco encaminha o som da noite que faz de Biancara, uma tímida garota da noite extravasar sensualidade. João entra em cena, segura sua cintura e cola-a em seu corpo permitindo sentir o perfume de seus cabelos. Boteco o apanha. A transa dos olhares converte-se em palavras.

--- Não importa o que faça Daniel hoje você não me escapa.

--- Oi? O que quer dizer?

Por vezes é difícil para João integrar-se aos novos ares que o cercam. Entende que lugar algum é seu de fato, e, que de fato não pertence a lugar algum. Mesmo diante dos compromissos mundanos de que espírito sempre se queixa é difícil para João emergir das profundezas de sua dor maquiada. Já imaginou ser tosco, metido, vulgar, mimado, mas nada o compara de perto. A miscelânea de todos os itens e outros ainda piores camuflados em seu modo de ser, torna João, miseravelmente João. Seu novo emprego não lhe coube assim como novo sapato ganho cuja forma é um número menor. Já não lembra mais de sua primeira crise mundana, mas é que sua vida agora compara-se ao seu quarto bagunçado. João mais apanhou do que bateu naquela noite. Apenas tomou posse dos cigarros de Biancara e a queimou dentro do olho esquerdo. Seu olhar atormentava-o. Tinha que ser feito, não havia outra opção. Enfim todos recorreram ajuda a ela.

–- Você está dispensado jogador!

–- Mas...

–- Não quero saber, aqui você não pisa mais nem como cliente está me ouvindo?

Boteco indica com gesto para seguir seu rumo. João desce de Balcão e busca a primeira garrafa que enxerga a sua frente. Lança contra vidraria do boteco qual compõem os destilados. Pronto. A bagunça está feita. João é abordado por todos da mesa e apanha muito. Boteco sente-se traído por seu melhor jogador, o que o espera adiante é a porta da sarjeta. Segue sangrando. Humilhado não seria o termo. Desesperado talvez. Seus pais o que diriam? Mais um emprego, mais uma derrota, mais uma baixa. Deve carregar demônios pensa com ele, não é de hoje que imagina ser perseguido. Não é de agora que sabe sobre seu duplo sentido, seu peso, sua companhia.

João tenta encarar sua situação, mas algo o deixa inquieto. Sabe do que fez, sua punição veio a caráter. Sua perturbação é pensar que de suas experiências boêmias, quase todas caí em desencontro. Noite passada não foi diferente o que resultou em um braço ralado, alguns arranhões, inimizade com todos que abraçaram sua ira, um inimigo em potencial e seu inútil emprego de finais de semana. A péssima lembrança de seu descontrole o fez relativizar toda e qualquer ação premeditada a partir do próximo dia. O que não lhe atribuiu grandes alternativas, pois soube a partir do momento em que encontrou com olhos de Biancara que não mais pertencia aquele lugar.

O “dispensado” ecoa em sua mente como navalha destrinchando tudo que há a sua frente. Há uma voz interior que o diminui frente a menor das criaturas. Todos bebem inclusive João. A questão que recai sobre seus ombros é o que procura na bebida além do seu efeito declaro de embriagues? João teme por resposta mais do que tem conseguido suportar. Havia outro em posse das suas ações naquela noite a guerra foi declarada e seu adversário compõem sua personalidade. Não entende do porque é necessário percorrer a casa o tempo todo como se estivesse correndo perigo em sua companhia o que lhe confere extremo stress. O perigo paira sobre João, isto porque tem medo dele mesmo. Distanciar João do convívio foi a maneira sensata que Boteco encontrou de torturar sua necessidade de conviver com eterno desequilíbrio.

--- Antes um louco em realidade do que a realidade do louco ---resmunga pra si mesmo.

Jack Solares
Enviado por Jack Solares em 18/06/2016
Reeditado em 27/03/2017
Código do texto: T5671359
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