A Boca da Garrafa

Passaram-se treze ciclos estrelares desde a última vez que alguém cruzara de Alcor para Mizar. Spix era só um garoto, mas lembrava-se da cena do contemplado atravessando aquele ínfimo arco que se abria por apenas um segundo a cada período. Desde então, como os demais habitantes de Alcor, ele ansiava por fazer o mesmo, pois de lá, observavam os de Mizar, pareciam tão unidos, sempre lado a lado moviam os lábios como se cantassem a uma só voz o que seria, a “canção dos libertos”, e acenavam como os convidassem para também desfrutarem daquela shangri-la.

Spix se preparou para o dia em que o arco se abriria novamente, como era quase ancião, sabia que essa seria sua última chance, pois os que tentaram tal façanha fora do tempo específico foram desintegrados.

Spix era criminoso desde sua mocidade, e o temiam por isso. Ele então teve a ideia de se afamar como o ser mais violento de Alcor, para que naquele “grande dia” ninguém ousasse disputar a passagem com ele. Seu plano deu certo! E ele estava prestes a fugir daquele lugar de imensas campinas floridas, de cachoeiras com águas cristalinas, onde era obrigado a comer apenas carne, legumes e frutas da época. Rumo liberdade!

Chegado o momento, todos em Alcor, invejosos, fitavam-no, Spix se posicionou frente ao ínfimo arco, e antes do nascer do sol jogou-se. Pelo caminho que se assemelhava a um gargalo, ele exultava de alegria, mas conforme foi se aproximando pôde ouvir que o que saía dos lábios dos de Mizar, não era a “Canção dos Libertos”: Não, não, não venha! Ao aterrissar, caiu sobre aquele povo esquálido e sobre uma pilha de cadáveres das vítimas da fome que lá jaziam, uma anciã perguntou-lhe: O que vieste fazer aqui homem? Sempre acenamos para que vocês não venham à Mizar, aqui não há espaço, por isso nos acotovelamos, até o oxigênio é escasso.

Quando Spix olhou para trás em direção a Alcor, arrependeu-se amargamente. Viu a dádiva ignorada por ele e pelos seus: Campinas floridas, cachoeiras de águas cristalinas e comida a vontade. Também percebeu que esteve livre todo o tempo em sua terra natal, e que Mizar na verdade, que era uma prisão, uma espécie de garrafa, da qual a boca, aquele ínfimo arco, dava para Alcor, que se situava na parte de fora. Spix então, choramingando, começou a acenar para Alcor, unindo-se ao coro: Não venham, não venham...

Do lado de fora da garrafa, os de Alcor observavam e diziam um ao outro: Veja, Spix já canta de alegria e acenando nos convida, um dia eu também irei.