UM SER VIVENTE DO COTIDIANO
Ia eu andando por uma rua da minha cidade, Rio de Janeiro, quando, de repente, deparei-me com uma pessoa, uma mulher. E ela parecia distraída, andando de forma lenta no mesmo sentido que eu, dando-me chance de alcançá-la e, até mesmo, ultrapassá-la.
E foi desse modo que pude olhá-la de frente e ver seu rosto por inteiro. No que percebi que ainda era uma pessoa que não havia alcançado a terceira idade. Digamos que a meia-idade, seja lá o que isso queira dizer, mas todos o bem deve saber o que diz.
A pele morena, queimada do sol, dando a entender que ela é costumeira de andar sob essa luz. Os cabelos pretos, lisos e escorridos. A altura, mediana. Nem muito alta e nem baixa, claro. E a vestimenta um tanto quanto simples. Mas dando a parecer um asseio bastante caprichado, fazendo entender que não é uma pessoa largada pela vida. Até pelo contrário.
Também pude observar o seu olhar. De alguém muito sereno, demonstrando segurança e tranquilidade. E até mesmo uma certa altivez, o que me agradou e conquistou de imediato. E senti vontade de abordá-la. O fazendo um pouco mais adiante.
Mas pude perceber toda a sua segurança pessoal. Nos gestos firmes, apesar de tranquilos, passa de imediato ser uma pessoa de personalidade firme e segura. E que deve possuir um auto controle acentuado, preparada para quaisquer circunstâncias dessa vida.
E já andando ao seu lado nesse caminho de ambos, pude fazer uma abordagem natural, sem que ela pudesse estranhar ou assustar-se com a minha iniciativa. E lancei-lhe um primeiro comentário:
- Bom dia, senhora! Como vai? - expressei-me em sua direção, aguardando o resultado disso.
Ela olhou-me sem susto e sem medo, dando um breve sorriso e respondeu-me:
- Bom dia, cavalheiro, vou indo muito bem, sim senhor! - respondeu-me agradavelmente, com uma voz suave mas firme, como se a agradasse a abordagem.
No entanto, seu rosto demonstrava uma certa preocupação, digamos. Daí que vi-me encorajado de perguntar-lhe se ela estava mesmo bem, e se não, o que é que eu poderia fazer para tentar confortá-la de alguma situação.
Aí ela, séria, olhando-me, falou:
- Caro senhor, a vida nos brinda com certas situações, que são tremendamente sofridas. E nem sempre por nós mesmos, mas por pessoas que gravitam ao nosso redor, como na família, por exemplo.
Então, como estávamos nos aproximando de uma pequena praça, sugeri-lhe que parássemos ali, sentando-se num de seus bancos para ouví-la mais adequadamente. E ela assim aceitou. E sentamos lado a lado, como dois velhos amigos a conversar com mais tranquilidade.
Ela então entabulou de vez tal conversa. Falava de um modo simples mas correto, numa entonação segura, tanto sabendo o que estava falando, quanto o que dizia era merecedor de crédito total. E foi adiante;
- Caro senhor, meu nome é Mafalda, já passei dos sessenta anos e mais um pouquinho, tendo uma vida simples, mas segura, porque já alcancei a tão sonhada aposentadoria. Mas ainda trabalho. E faço coisas que gosto, porque numa situação como essa não deveria ser diferente.
Dando uma pequena pausa e olhando-me, dava a impressão de analisar-me, até onde podia para saber se eu estaria disposto de ouví-la até o final. E eu, balançando a cabeça num movimento de aprovação, pelo gesto sugeri-lhe automaticamente que continuasse sua história. E assim se deu:
- Amigo, permita-me tratar-lhe assim, a vida nos cobra situações que na maioria das vezes não as podemos quitar. Porque numa família, há várias pessoas, não é? E cada uma delas possui sua própria natureza, diferentes umas das outras.
Dando uma pequena pausa, mas continuando a olhar-me, prosseguiu:
- Então, o senhor sabe o que é conviver com uma outra pessoa, uma irmã, que se chama Herculana, e ter que passar por situações de extremo desconforto? Porque ela, desde jovem, possuindo uma personalidade muito forte, daquelas que pertencem às pessoas que nasceram para mandar nas outras, sempre tomou a frente de todas as ações na família. Mas sempre desconsiderando os demais irmãos, como se eles não representassem quase nada para ele.
Nisso, fez uma pequena pausa. E vendo-me balançar a cabeça de forma positiva, seguiu em frente em sua narrativa:
- Veja bem, disse ela, essa situação para os irmãos, eu e um outro mais novo cinco anos, ficou insustentável à vida toda. Porque a potencialidade dominadora dessa irmã, fez com que tivesse até o domínio sobre os próprios pais. E este a viam quase como um deus, sem nunca criar nenhuma oposição a ela, seja lá em que circunstâncias fosse.
*Em tempo: o conto seguirá em breve...