Hipnos
E então, em seu quarto, o garoto se tranca. Cobre o corpo com as cobertas, incluindo a cabeça. Respira o ar abafado que acabou de expirar, como se tivesse a mesma qualidade do ar que sopra lá fora, perto das arvores. O menino se vira, resvira, pensa. E para. Em fim, Hipnos o leva pelas mãos, o arrastando daquela cama nenhum pouco confortável, o levando para um mundo diferente daquele qual conhecia, mesmo que semelhante em alguns detalhes. Naquele mundo existia liberdade, estava liberto de si mesmo, já não carregava a carcaça pesada de seu corpo, sua alma flutuava e se misturava ao fluxo das correntes de ar. Hipnos ainda o acompanhava, estava a seu lado, também flutuando no céu pálido, olhando para cada movimento do garoto, sorrindo junto dele.
Para onde iam? Não teria como saber, ninguém sabia, nem o garoto; exceto Hipnos. O deus assumiu a frente, guiava o garoto, sussurrava palavras que indicavam o caminho, mas que, aos ouvidos humanos, pelo menos ao lado consciente, nada significava. No mundo dos sonhos só resta nossos impulsos mais fortes que chegam ao cérebro muito antes de qualquer base sensorial perceber. Bem ao fundo, o som da lira invadia aquele espaço tão intimo, que o garoto vivenciava dentro de si mesmo. A calma causada pela música, e pelas palavras de Hipnos era tanta que o garoto caiu no sono, e foi levado para outro sonho, diferente daquele que estava.
Seu corpo pesava. Tudo pesava. A carcaça estava ali, o frio também, a falta de vitalidade, o stress, a tristeza, o risco de morte, o risco de vida. Este sonho, dentro de outro sonho, nunca poderia ser sinônimo de desejo. Ninguém quer, ninguém deseja. Hipnos havia sumido. As lembranças do outro sonho também. O prazer que sentiu era ínfimo perto dos outros sentimentos que ali o dominavam. A final, que sonho cruel, terrível e apavorante era aquele? Seus olhos estavam negros, por mais que em sua mente presenciasse os piores momentos de sua vida, aqueles que mais lhe causaram sofrimento, aqueles que insistem em voltar sempre que sua atenção não era suficiente naquilo que estava fazendo. Ou quando olhava para o lado sem objetivo algum.
Não aguentava mais, aquilo não podia ser verdade, não estava acontecendo, não estava. Clamou por Hipnos, para que o tirasse daquele sonho, para que o acordasse, para que ouvisse lira novamente. Se ao menos Hipnos falasse, se ao menos Hipnos falasse comigo... Por favor, Hipnos. Por favor. E ninguém respondia. O silêncio absoluto reinava sobre a escuridão. Tudo estava tranquilo, tudo estava calmo, a não ser, pelo que acontecia em sua mente. Palavras antigas murmuravam lá dentro, gritos de ódios desferidos nos piores momentos, o soluço do choro que não acaba nem com copos de água. Dor, ódio, dor, mais dor. E frio, sentia frio. Congelava. Tremia. Deveria fazer -15 grau, ou pelo menos essa seria a sensação térmica. Se demorasse mais tempo naquele sonho viraria picolé, sentia que literalmente iria morrer, tudo acabaria ali, de forma agoniante, a mais terrível de todas; aquela que não tem fim. E num terrível último esforço, não aquele antes da morte, mas aquele que só se usa uma vez e nunca mais tem de volta, berrou.
DEUS HIPNOS, QUANDO É QUE ISSO VAI ACABAR?!
O garoto nem sabia que já estava acordado.