Desventura de um admirador indigente.

Da última vez que a vi, ela estava bonita, não que nunca tenha sido, mas, era uma beleza diferente, algo que saltava aos olhos, ao menos, saltava aos meus olhos; os olhos dela saltavam aos meus olhos; duas pequenas lagoas esféricas, rodeadas por uma pele tão dourada quanto a areia pura, nunca tinha reparado nesses traços. Talvez eu nunca tivesse tempo de reparar, como eu poderia? Criança como eu era na época, ainda vivia naquela segregação juvenil, meninos contra meninas, então não tinha tempo para isso.

Agora era diferente, muito diferente, ela estava mais bela, esbanjava curvas consideráveis, nada muito grande, nada em excesso, o suficiente para vidrar minha atenção, fiquei alguns segundos olhando aquelas pernas bem torneadas, o resto do corpo, estava coberto com um casacão vermelho, xadrez; mesmo assim, ainda exibia formas, poderia perder o dia todo, apenas observando ela.

Quando paro para pensar, já faz um bom tempo que não via ela, não o suficiente para me esquecer do desenho do seu rosto, ela tem uma feição distinta, traços fortes e bem marcados, em hipótese nenhuma, lhe tira o ar feminino, mesmo sabendo que ela nascera em São Paulo, diria que ela parecia uma típica nordestina, não que eu não me atraia por nordestinas, é apenas um detalhe que não muda o enredo, mas para mim, tem certa importância.

Acho impressionante o fato dela não me olhar de volta, nem uma fitada sorrateira, talvez ela saiba que eu estou olhando ela, quase babando sobre ela, isso deve faze-la evitar o contato visual, eu entendo, é compreensível, não me acanho em seguir olhando fixo para ela, não tem nada que eu preferiria olhar agora.

Em meio à zorra de paixonite momentânea e aquele gostinho no fim de nostalgia, eu percebo que descendo a avenida, vem um ônibus, numero 7030-10, não poderia me esquecer, sem se preocupar com a garoa fina que caia, ela ergue o braço e avança em direção ao ônibus, passa renta a mim, por pouco não pisa, ou tropeça em meus pés, nem nesse momento ela virou o olhar para mim.

No fim, ela nem sabia quem eu era.

Henrique Sanvas
Enviado por Henrique Sanvas em 07/06/2016
Reeditado em 22/09/2020
Código do texto: T5660593
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